Sexta-feira, dia de estreias nos cinemas, vamos falar de Sétima Arte.
Essa discussão seguramente já foi fomentada por qualquer pessoa: sempre que um filme baseado num livro é lançado, a comparação por parte dos que fruíram de ambas as obras costuma ser unânime: o livro é melhor, sempre. O filme? Nada mais do que um vilão que, de forma arbitrária, mudar o conteúdo idealizado da publicação na qual se baseia.
Para deixar a discussão organizada, vamos por tópicos:
1 – Por que fazemos comparações entre livro e filme?
O motivo é bastante simples. Tanto a literatura como o cinema são formas de narrativa. Claro que nem todos os formatos de expressão literária (como boa parte da poesia) ou cinematográfica (como a videoarte) narram de fato alguma coisa – mas, generalizando, as formas mais consagradas de livros e filmes (o romance e o longa-metragem) são aquelas que contam histórias, onde personagens vivem suas jornadas.
A proximidade entre um e o outro também se dá por conta da maneira que eles funcionam na nossa cabeça: enquanto o livro cria uma seqüência se imagens na mente do leitor, o cinema apresenta esta seqüência já pronta aos olhos do espectador. O cinema, assim, funcionaria como a realização de um sonho literário: as passagens que antes viviam na cabeça de alguém passam a ser disponíveis a todos.
2 – Por que achamos o livro sempre melhor que o filme?Por conta do nosso envolvimento. As maneiras de apreciar cada uma destas expressões são diferentes. Enquanto o filme despende de apenas algumas poucas horas do nosso tempo, a leitura pode demorar dias, mesmo semanas ou meses, para ser efetuada. Até quem lê rápido, naqueles casos de não conseguir largar o livro, vai demorar mais para ler um romance de 300 páginas do que para ver um filme de 90 minutos.
Ou seja, temos um envolvimento muito maior com as páginas escritas – até porque as controlamos mais. Podemos parar de ler de acordo com nossa vontade, retomar algum trecho que passou batido, reler as partes mais tocantes. A leitura nos pede maior aplicação, por vezes se faz sofrida. Temos até um ato físico do processo, o de virar as páginas. Já o filme exige imobilidade por parte do espectador. A etiqueta da Sétima das Artes recomenda que nunca se pare de assistir a um filme, ou de voltar uma cena no meio da exibição. É uma experiência com hora para acabar, ao contrário do livro – quantos leitores não diminuem o ritmo ao se aproximar do final de um romance, para poder aproveitar mais tempo?
3 – Por que não devemos comparar livros e filmes?O motivo é simplíssimo: são artes diferentes. Pô-los lado a lado é o mesmo que comparar uma escultura a uma música, ou um número de dança com uma pintura. Algo impossível, mesmo quanto tratam dos mesmos temas. Uma música, um livro e um filme podem se basear num único assunto, mas sempre serão formas diferenciadas de representá-lo.
Por sinal, é salutar que o filme não seja totalmente fiel ao livro. É a visão de um outro artista (o diretor) em cima da mesma questão, e ela (a visão do outro artista) não pode ser engessada. A versão cinematográfica precisa ser distinta da versão literária – e quanto mais diferente, mais rica ela fica.
Por fim, a função última de uma obra cinematográfica é ser um bom filme em si, não uma boa adaptação ou um exemplo de fidelidade a uma obra prévia.
4 – O livro sempre vai ser considerado melhor que o filme?
Não. Qualquer um ficaria de cabelo em pé ao descobrir quantos grandes filmes são baseados em livros que hoje não são mais lembrados. As versões cinematográficas acabaram ficando em nossa cultura como definitivas. São exemplos disso obras tão distantes entre si como
O Poderoso Chefão,
Psicose,
... E o Vento Levou,
Tubarão e
Bambi. Até mesmo
Rambo e
Duro de Matar são baseados em livros que ninguém leu nos últimos 20 anos. Tarzan, herói criado pelo escritor Edgar Rice Burroughs e imenso sucesso editorial nas primeiras décadas do século passado, hoje é mais lembrado pelos filmes em que aparece – pouquíssimos deles fiéis aos escritos originais.
Não raro, os filmes – por serem mais sintéticos – concentraram melhor os conceitos dos livros, que por vezes os dissolvem no transcorrer das linhas. É o caso de
Laranja Mecânica, romance levado às telas por Stanley Kubrick e de autoria de Anthony Burgess. O cineasta retirou da sua adaptação todo o último capítulo bolado pelo escritor, onde o personagem Alex De Large se redimia e passava a levar uma vida normal. Kubrick achava que o final feliz destoava totalmente com o conteúdo ácido e cínico do restante do livro. Pensava que Burgess tinha perdido, na última hora, a coragem de fazer um final petulante como a trajetória do personagem pedia.
Em suma: o livro é sempre melhor que o filme? Não, isso é besteira. O que não quer dizer que o filme sempre será sempre superior...