terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Sobre Legendas e Dublagens - 2

Tempos atrás, o Hisham publicou este texto, debatendo sobre benefícios e malefícios dos filmes serem legendados ou dublados -- motivado por sua vez por este texto que eu escrevi em outro blog. Quando li o post, vários dias depois, a correria (e uma certa falta de paciência) me impediram de poder responder ou eventualmente rever (ou esclarecer) minha visão.

No entanto, um fato curioso me chamou a atenção essa semana e me fez lembrar do texto, por conta do que eu achei interessante retomar o debate.

O fato é o seguinte: na atual programação dos cinemas de Canoas, São Leopoldo e Novo Hamburgo, temos a seguinte situação:

Novo Hamburgo: Seis filmes estrangeiros em cartaz, Três deles legendados.
São Leopoldo: Oito filmes estrangeiros, Três deles legendados.
Canoas: Seis filmes estrangeiros, NENHUM legendado.

Isso ocasionou que o novo Sherlock Holmes está em cartaz nestas cidades sem sequer uma cópia que não seja dublada, por exemplo. É um quadro cuja tendência é aumentar.

Isso é ruim? Bem, se somarmos a população destas três cidades de acordo com o último Censo, veremos que nada menos que 777.286 pessoas não têm a escolha de poder ver um determinado título com seu som original. Isso faz mal para o cinema, conforme defendi no meu texto original.

Onde o texto do Hisham se encaixa nisso? Na sentença "Eu acho o fato de que uma grande parcela prefere filmes dublados uma excelente defesa para a presença deles no cinema" -- mais ou menos repetida no comentário do Flagg, que diz "Sério, só o fato de à maioria do povo querer filme dublado já justificaria sua existência", complementando com "Mais útil seria gastar este tempo sobrando e fazer manifestos contra o Sarney e o Maluf" -- o que eu suponho que seja uma brincadeira pândega, já que é meu TRABALHO pensar e debater cinema.

Mas enfim, divago: estas colocações me fizeram pensar que eu não expus minha ideia corretamente. Ou por outra: que eu fiquei mais preocupado em desabonar o filme dublado do quem em sublinhar a ideia geral que eu tentava defender: a de que o crescente número de filmes dublados retira a possibilidade de OPÇÃO do espectador, deixando-o sem ter como escolher que formato prefere assistir.

Mais tarde, me aprofundarei porque esta falta de escolha é, ao ver, danosa para o cinema. Por enquanto, as refutações ao argumento do Hisham que se fazem necessárias:

A legenda é tão ruim quanto a dublagem: Para não dizerem que estou falando sozinho, vou evocar o crítico Pablo Villaça (que, num debate semelhante, chegou a dizer que este argumento é o "mais estúpido de todos"): "Então as legendas atrapalham a apreciação do filme, mas ouvir uma voz completamente diferente da original e em absoluta falta de sincronia com os movimentos labiais é algo que não incomoda? Mesmo? Há quem realmente seja capaz de alegar que a legenda seja uma distração maior do que a dublagem?".

Complementando daí: lógico que QUALQUER processo de tradução (e isso é um "problema" da literatura) terá perda do significado original. Porém, a legendagem é um método infinitamente menos traumático do que a dublagem. A começar pelo fato de que ela se baseia diretamente no roteiro final do filme enviado pelo estúdio, já com os tempos em que as legendas devem aparecer.

Ou seja, seu significado em relação à versão dublada é infinitamente mais próximo do original: se por um lado deixa de fora sutilezas (sempre por questões de velocidade da fala ou espaço), também resume sentenças que em certas línguas são mais extensas do que sua tradução -- na dublagem, o dublador terá que enrolar ou aumentar o texto para que caiba no tempo desta frase (em filmes e desenhos japoneses este problema é comum), deturpando o mais significado do que a supressão de eventuais subjetividades. E se a revelação de uma fala antes de ser dita pode acabar com o timming de uma fala, o que dizer deste sentimento com uma dublagem mal feita?

Lembrando do exemplo de Harry Potter dado pelo Hisham: as "traduções" das legendas são as traduções que os LIVROS sofreram e que o cinema manteve (a experiência de ver um HP dublado seria menos dramática neste sentido?).

Sobre a legenda arruinar o "pensamento na composição de uma cena (...), conduzindo o olhar meticulosamente como um quadro", creio que este argumento se deve a um certo desconhecimento de como a condução do olhar funciona no cinema em contraponto às artes visuais. Na arte cinematográfica, o olho do espectador é levado a certos lugares muito mais pelo movimento de câmera, pela montagem, pela mise-en-scène do que pela disposição do quadro. Até porque quando temos alguém falando em cena, imediatamente nosso foco se dirige para a boca.

Eu, enquanto realizador, prefiro infinitamente que alguém coloque letras (num espaço controlado e menos valorizado do enquadramento, diga-se de passagem) do que mude a voz dos meus atores de maneira onipresente. Até porque o cineasta pode prever a posterior existência de legendas no seu filme, mas não tem como saber como farão a dublagem. E posso garantir: a experiência que se pode perder com a legenda não se compara àquela perdida com a dublagem.

O filmes dublados na Europa: Isso é uma questão mais velha que o cinema preto-e-branco. Temos que levar em consideração a extensão das expressões em alemão (não por acaso, o país em que mais se dubla na Europa). Em alguns deles, podemos debater se as causas da dublagem não são mais fundamentadas no nacionalismo do que no gosto popular (como na França, onde o protecionismo à língua e ao cinema nacionais é pedra de toque). Tenho sempre um pé atrás quando debatemos diferentes realidade culturais tentando deixá-las análogas à nossa.

No entanto, olhem que interessante: no mesmo link disponibilizado pelo Hisham, vemos que na Suíça cidades com mais de dez mil habitantes exibem ambas as versões para um filme -- lembrem do início: aqui, mais de 700 mil espectadores têm cada vez menos esta escolha.

Eu fecho com o Hisham num ponto: "Acho que tem que haver espaço pra tudo, para que haja espaço para todos". Isso é lógico. Então porque eu defendo que uma supremacia de dublados é maléfica para o cinema?

Imaginemos então que as pessoas têm ido mais ao cinema porque os filmes são dublados e portanto mais acessíveis (e não por outros motivos). Vamos pensar por alguns instantes que os cinéfilos não sejam assim tão representativos nos lucros e que quem sustenta mesmo esta indústria seja o espectador eventual, que vai ao cinema poucas vezes por ano (até porque carecemos de pesquisas que nos digam o contrário). Ok, as pessoas vão mais ao cinema, criam um hábito de consumir cinema, enquanto os cinéfilos se dedicam a baixar filmes em casa por não aceitar vê-los dublados no cinema (esses radicais!).

Eventualmente, ao criar tal hábito e se aproximar da atividade cinematográfica cada vez mais, parcelas deste público poder aos poucos ir se tornando... Ora, amantes de cinema, que descobrem o quanto de qualidade fílmica eles perdem com as versões dubladas. Mas então, vamos ver filmes legendados! Só que... Bem, não tem filme legendado para ver no cinema. E agora?

Um círculo vicioso?