sexta-feira, 14 de maio de 2010

A notícia que não noticia

Vocês também se incomodam quando leem uma longa matéria que simplesmente não explica o assunto central falado no título dela? O exemplo mais recente em que me deparei foi esse:

Lula diz ter 99% de chances de convencer Irã sobre programa nuclear, Estado de São Paulo, 14 de maio de 2010

Lendo a manchete, a primeira coisa que me perguntei foi "convencer o Irã de que?". Lendo a matéria, já é dito no primeiro parágrafo que ele irá tentar "convencer os líderes do Irã a aceitar os acordos propostos pela comuniade internacional sobre o programa nuclear do país persa". A pergunta óbvia que se segue é: "de que consistem esses acordos?". Mas aí não há resposta. Nos 10 parágrafos do texto, produzido "com informações das agências Efe e Reuters", temos basicamente o seguinte:
  1. Lula disse na Rússia que acha que tem 99% de chances de convencer o Irã sobre os acordos propostos sobre seu programa nuclear
  2. Presidente russo Medvedev repete o discurso americano e diz que Lula é a última chance do Irã
  3. Medvedev deseja sorte a Lula
  4. Medvedev chuta que tem "30%" de chances, Lula diz que tem "99%".
  5. Lula diz que vai tentar. Brasil rejeita sanções contra o Irã e quer ser mediador.
  6. Medvedev falou com Obama e disse pra deixar pro Lula.
  7. Medvedev disse que se não rolar, o Conselho de Segurança sabe o que vai acontecer.
  8. Lula está em Moscou e depois vai pro Irã
  9. Rússia diz que só aprova as sanções se não prejudicarem os seus próprios negócios com o Irã. China se opõe às sanções.
  10. Países a favor das sanções dizem que o Irã quer fazer uma bomba atômica e o Irã nega.
Notem quanto espaço é gasto nas "estimativas" (que só servem pra fazer manchete) e em papo diplomático. Explicar quais são os acordos propostos, nada. Ao longo do texto, há 4 links pra outras notícias e 2 links para infográficos, nenhum dos quais explica o que Lula estará tentando convencer o Irã a aceitar. Abaixo da notícia, uma seção de comentários para a tão falada "interação dos internautas", cheia de opiniões fervorosas. Mas aí eu me pergunto: como é que alguém pode ter uma opinião sobre a notícia se ela não explica aquilo que ela se propõe a noticiar?

3 comentários:

  1. Três coisas:

    1 - Quando diz "Com informações das agências Efe e Reuters", pode verificar nos sites das próprias agências: "99%" de chances de ser a mesma notícia, inclusive NAS MESMAS PALAVRAS - ou seja, Ctrl C + Ctrl V;

    2 - Por constar no corpo do texto um link para um famigerado e surrado "box" explicando o que é o tal programa nuclear iraniano, o "repórter" não viu a necessidade óbvia de explicar do que se trata.

    3 - O responsável pela veiculação da matéria provavelmente foi um estagiário cujo chefe fica em cima dele o dia inteiro contando quantas notícias ele posta, para poder "avaliá-lo" com exatidão. Este mesmo chefe fica contando também quantos cliques as notícias postadas pelo estagiotário rendem para o portal.

    Esse é o nosso "jornalismo online" hoje em dia, sem tirar nem pôr, salvo raras exceções.

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  2. Pois é...

    Sobre o jornalismo Ctrl-C Ctrl-V: acho que umas três notícias dos tais 4 links tinham o mesmo penúltimo parágrafo sobre a posição da Rússia e China. Dificuldades de adaptação à mídia, talvez. Prover informação tornando ela navegável é algo que se pesquisa há muito tempo (desde antes da internet) e ainda está evoluindo.

    Sobre o lance do box: pois é, só que se passaram do fato que explicar o programa nuclear não explica quais as alterações que querem* que sejam feitas nele, tema da viagem do Lula.

    * Detalhe, na hora que fui escrever "querem" não consegui me decidir sobre o sujeito, porque também não fica claro _quem_ essas mudanças. O artigo diz que "EUA, Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha" têm "posturas suficientemente consolidadas", mas admite que Rússia e China têm ressalvas. O Brasil está no rolo também, não sei se como mediador ou como mensageiro desses países. Com a suposta oposição da China, não se pode declarar como sendo sequer uma posição do Conselho de Segurança (o que quer que isso valha).

    No fim das contas, a dificuldade real é que eu acho que esse é um assunto muito complexo pra se explicar a contento em 10 parágrafos.

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  3. ZH de hoje conseguiu explicar num box com alguns tópicos o tal acordo de maneira suficientemente inteligível.

    Só que como vocês já falaram, somente nesses boxs que explicam alguma coisa, a notícia inteira é mais encheção de linguiça.

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