quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sobre Dublagens e Legendas, ou "Porque incomodar o Ulisses é divertido"

Meu querido amigo Ulisses escreveu no seu blog um Manifesto contra o filme dublado, cheio de argumentos bons e coerentes (e alguns, nem tanto: por que uma determinada atitude que não prejudica ninguém e é o gosto de alguém não seria defensável? Eu acho o fato de que uma grande parcela prefere filmes dublados uma excelente defesa para a presença deles no cinema — assim como é a existência de cópias 2D para filmes que foram pensados em 3D, por exemplo). Tudo o que o Ulisses falou sobre os problemas do filme dublado é verdade:
  • Adultera o trabalho do ator
  • Adultera o som
  • As falas são alteradas por gente que não participou da sua concepção
Só que aí a gente pode continuar pensando esse assunto: se a dublagem, nas palavras do Ulisses, "deturpa a obra cinematográfica", o que dizer das legendas?

É, as legendas. Se a dublagem adultera o trabalho do ator, as legendas adulteram o trabalho do roteirista (e do ator, em diálogos improvisados). Muitas vezes a sutileza de uma escolha de uma palavra se perde totalmente, pra não falar das vezes em que a tradução da legenda está simplesmente errada. Quantas vezes vejo gente, ao citar uma fala de um filme, na verdade citando a legenda: ou seja, reproduzindo a escolha de palavras da pessoa responsável pela tradução, e não pelo roteiro.

Em outras situações uma frase é enunciada com determinadas pausas de modo a produzir um determinado suspense, para que uma determinada expressão facial acompanha aquela palavra-chave... e a legenda já mostrou a frase inteira antes de o ator ter a chance de dizê-la.

Além disso, se a dublagem afeta o som, a legenda afeta a imagem. A gente muitas vezes nem se dá conta do quanto a legenda desvia o nosso olhar. E lá se vai o foco na fotografia do filme. Não me refiro apenas a coisas como cenas de escuridão total com apenas uma voz em off, que passam a ter um letreiro na tela. Todo o pensamento na composição de uma cena na tela, conduzindo o olhar meticulosamente como um quadro... e nossas vistas passando a metade do tempo olhando para o canto inferior central da tela, com frases que piscam a cada 3 segundos buscando nossa atenção.

Quem fala o idioma estrangeiro do filme (tipicamente inglês, nos filmes que passam aqui) percebe isso bem menos. Isso se ameniza mesmo em línguas que não dominamos mas com a qual temos alguma familiaridade (espanhol, francês, italiano...). Mas nem sempre, e nem para todos, é assim. Esses tempos assisti a um filme japonês depois de muito tempo só vendo filmes nessas outras línguas. No momento em que eu tive uma relação de dependência total da legenda para entender o que era dito, fiquei chocado ao ver o quanto da imagem eu perdia. Eu vi que não conseguia olhar nos olhos dos personagens durante um diálogo.

Senti na pele o que quem não fala nada de inglês sente e vi ali o quanto as legendas afetam a experiência de ver um filme, e o quanto a gente que está acostumado e fala outro idioma não percebe isso. Acabo pensando que isso é mais um pequeno fator para a falta de popularidade de filmes estrangeiros nos EUA, por exemplo, ou para dublagem ser mais a regra do que a exceção em vários países, como os de língua alemã.

Não estou com isso defendendo que dublagem seja melhor do que legendas. Entre as duas opções, eu sempre prefiro filmes legendados. Mas mesmo se você fala o idioma original do filme, não há como ignorar totalmente as legendas. Eu assisti ao longo de uma semana os filmes do Harry Potter, todos no original, sem legenda. Ao chegar no cinema para ver o último, cada nome de personagem ou objeto que era baseado na tradução do livro e aparecia na legenda do filme diferente do original ("Olivaras!?") me distraía e inevitavelmente incomodava. Prova que, mesmo não precisando da legenda, quando ela está lá ela acaba puxando a atenção.

Porém, tem o seguinte: muitas pessoas não sabem ler, ou sabem mas não têm o traquejo pra ler confortavelmente na velocidade das legendas. Sim, eu conheci pessoas nessas duas categorias, e sim, eram pessoas com viabilidade econômica de ir ao cinema. O filme dublado é uma excelente opção para elas. Preferiria eu ver o Harry Potter 7.2 no cinema em 3D com som original e sem legenda alguma? Sim, preferiria (ainda mais num filme 3D, onde a legenda interfere com a profundidade e o senso de imersão). Mas assim como não sou elitista a ponto de clamar por salas de cinema sem legenda, também não vou defender o fim dos filmes dublados nas salas de cinema. Acho que tem que haver espaço pra tudo, para que haja espaço para todos.

3 comentários:

  1. Pô, Hisham. Não deixou nada para eu acrescentar. Sacanagem! Sério, só o fato de à maiorida do povo querer filme dublado já justificaria sua existência. Mais útil seria gastar este tempo sobrando e fazer manifestos contra o Sarney e o Maluf.

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  2. Só vi agora.

    Bah, Hisham, esperava um pouco mais do que o chalalá de "legendas e fotografia", "dublagem na Alemanha", "gente que não sabe ler" e outros que tais.

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  3. É só aprender inglês. Aí não precisa ver dublado, e nem ter que ler legenda.

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