O Emílio sugeriu, mês passado, um post baseado numa lista dos
10
filmes mais controversos e polêmicos do cinema. Na hora eu pensei: mais legal é fazer uma lista com filmes nacionais. Afinal de contas, qualquer top-alguma-coisa de produções internacionais conterá os mesmos títulos (no caso dos polêmicos, presenças certas de
Laranja Mecânica,
O Último Tango em Paris e um dos favoritos do Chico,
Um Cão Andaluz), com poucas variações. Mas desconheço uma listagem assim para as produções tupiniquins.
Então elaborei a minha própria coletânea de sete filmes polêmicos realizados no Brasil. Por que sete? Bem, porque é mais justo que um "top five" (ao incluir aqueles títulos que a gente sempre gostaria de colocar) e mais objetivo que um "top ten" (ao descartar a necessidade de se tirar filmes da cartola só para preencher os espaços restantes). E porque, enfim, falamos da Sétima Arte:
7. Deus e o Diabo na Terra do Sol (direção de Glauber Rocha, 1964): quem conhece os meus gostos cinematográficos sabe o quanto eu sou crítico ao movimento do Cinema Novo e, acima de tudo, à obra de Glauber Rocha. Este é considerado seu filme mais importante, e causou celeuma à época por conta de uma cena em que um bebê era assassinado durante um sacrifício religioso. Hoje, o debate em torno dele centra-se entre os que defendem seu status de obra-prima e os que dizem que ele é uma grande merda. O que importa é que a polêmica continua.
6. Como era Gostoso o meu Francês (direção de Nelson Pereira dos Santos, 1971): parte do ciclo final do Cinema Novo, esta aventura satírica incomodou o público no início dos 70, ao mostrar o
seu elenco nu (lógico, a história se passa numa tribo indígena do século XVI), falando uma língua exótica (tupi) quase sem usar legendas e terminando (para o horror da plateia) num ritual antropofágico onde se devorava o protagonista branco -- tudo devidamente realçado pelo uso de película colorida (de uso esporádico no Brasil àquela época).
5. Bonitinha mas Ordinária (direção de Braz Chediak, 1981): não era a primeira adaptação rodriguiana para o cinema, mas certamente foi uma das mais rumorosas -- graças especialmente à transcrição cinematográfica do estupro coletivo. Tentando soar séria mais com os dois pés no trash, a
cena é tão exagerada (com Lucélia Santos berrando "NEGROOOO!") que tu não sabe se ela é perturbadora ou se é hilária. Hoje, o filme é lembrado pela
piada do contínuo e por ser, bem, muito ruim mesmo. Esperar o quê de um diretor que fez fitas que atendem por títulos como
Eu Dou o que Ela Gosta e
Banana Mecânica???
4. Os Cafajestes (direção de Ruy Guerra, 1962): o filme que nasceu para ser polêmico.
Os Cafajestes é imensamente conhecido por ser a primeira produção nacional a mostrar uma cena de nu frontal. No caso, a atriz que realizou a proeza foi Norma Bengell (que, apesar de hoje ser um jaburu,
já foi musa), contracenando com ninguém menos que Jece Valadão, o deus supremo dos cafajestes (da classe, não só do filme).
3. À Meia-Noite Levarei sua Alma (direção de José Mojica Marins, 1964): os cineastas do Cinema Novo podiam até achar que estavam revolucionando e contestando a sociedade. Mas transgressão mesmo foi a do heroico José Mojica Marins, na pele de Zé do Caixão. O primeiro filme com o personagem (um agente funerário psicopata ultracético) tem assassinatos, mutilações, suicídios, exposição de cadáver, alucinações, estupro e demais sanguinolências -- tudo isso embebedado pelo
discurso antirreligioso e antissocial de Zé do Caixão, uma verdadeira sequência de porradas nos valores cultivados no Brasil da época. Nos anos seguintes, a subversão da obra de Mojica só aumentou (com banquetes canibais, descidas a infernos congelados e sexo explícito). Não é à toa que o homem tem o epíteto de "maldito".
2. Tropa de Elite (direção de José Padilha, 2007): Nenhuma película recente propôs tamanho falatório nos meios de formação de opinião como esta visão do até então documentarista Padilha a respeito da polícia brasileira. Fenômeno popular como nenhum filme conseguiu ser no Brasil, a obra foi tachado de ser
fascista (mesmo não sendo esta a intenção do diretor) e, mais incrível ainda,
louvada exatamente por este hipotético conteúdo de extrema direita. No fim das contas, as reações a
Tropa de Elite mostraram o quanto nosso país ainda recorre à idealização da violência como melhor remédio para nossas mazelas.
1. Rio Babilônia (direção de Neville D'Almeida, 1982): os filmes de Neville D'Almeida poderiam encher quase que esta lista inteira -- ele, que é um dos diretores mais constantes da nossa cinematografia (constantemente ruim, entendam bem). São dele joias do trash erótico (um subgênero?) nacional como
Os Sete Gatinhos e
A Dama do Lotação. Este
Rio Babilônia ajudou a criar o imaginário popular de que "filme brasileiro só tem putaria". A trama mistura violência, consumo de drogas e orgias quase explícitas. A cena símbolo da produção é daquelas que quase todo mundo lembra, mas não admite: um molhado
ménage-a-trois (ou seja, sacanagem da braba) numa piscina entre Denise Dumont, atriz icônica do espírito liberal oitentista, e dois sujeitos. Não sabe? Ora, a moça caía de boca no cara sentado na escadinha da piscina, enquanto o outro indivíduo mandava ver na outra ponta -- e não é figura de linguagem: reza a lenda que o ator de fato "entrou" no personagem (o da Denise Dumont, não o dele). No melhor estilo carioca da época, nenhum dos envolvidos desmentiu ou confirmou o acontecido.
Agora... Como diabos deverá ser o tal
Banana Mecânica?
Update -- corrigindo injustiças: como toda lista de mais/melhores/piores, esta também tem sua ausência importante, bem lembrada pelo Fábio:
Amor Estranho Amor (direção de Walter Hugou Khouri, 1982). Uma das personagens do filme, a prostituta ninfeta Tamara, é representada por Xuxa Meneghel (que, na época da filmagem, tinha 16 anos) e conhecida a sua cena de sexo um ator que na época tinha 12 -- nada demais, já que, no adiante da história, o menino transa com a própria mãe, feita por Vera Fischer.
A controvérsia se instaurou quando o filme foi lançado em VHS em fins daquela década, coincidindo com o ápice de Xuxa como apresentadora infantil. Num ato de censura tola, a "rainha" comprou os direitos do filme após batalha juducial e impediu a sua distribuição. Pessoas foram contratadas para comprar as cópias restantes nas locadoras. O ato apenas gerou mais publicidade gratuita para a produção, e, no fim das contas, foi inócuo: além de ser possível baixá-lo na íntegra pela internet,
Amor Estranho Amor foi lançado em DVD nos EUA em 2005, apesar dos esforços de Xuxa de impedi-lo. É
possível adquirir o filme em qualquer site de venda de DVDs norte-americano.
Então,
Amor Estranho Amor é o "número 0" desta lista. ;)