Gustavo: Nos últimos anos tive a sensação de que estava muito fechado às bandas e músicas que sempre escutei. Me sentia preso àqueles mesmos artistas de sempre. Então comecei uma procura por sons novos, mas tive muita dificuldade de encontrar bandas e obras mais recentes que tivessem a minha aprovação.
Daí comecei a me perguntar: o quanto os meus critérios de gostos eram baseados naquilo que eu ouço desde criança ou adolescente? Parece que até quando eu tinha uns 20 anos eu ouvi muitos sons e consegui gostar de bastante coisa – sem perder o senso crítico, mas enfim, a cabeça é mais aberta. Depois disso, ficou cada vez mais difícil incluir na “lista de gostos” coisas novas, pois parece que sempre haverá uma comparação com as músicas e estilos que se ouviam em uma determinada época da juventude, com as lembranças (boas ou ruins) associadas, etc.
Ulisses: Um dos casos mais emblemáticos foi citado pelo nosso solista desafinado Jean Schmith, que é o caso dos adoradores de Iron Maiden. Não entendam como uma crítica gratuita: um dos escritores deste post, Ulisses Costa, é fã confesso de Steve Harris e cia., a ponto de fazer o seu trabalho de conclusão na faculdade de Publicidade exatamente analisando o marketing da banda.
É interessante ver como os fãs caem de pau nos álbuns do Iron desde os últimos, bem, vinte e quatro anos: Somewhere in Time, disco de 1986, foi malhado na época pelo uso pontual de instrumentos sintetizados. Desde então, nenhum trabalho da banda em estúdio recebeu ampla aprovação – nada menos que nove discos (ou, em números, quase dois terços de toda a discografia da banda). Lógico, alguns deles adquiriram o status de clássico com o passar do tempo, impondo a sua qualidade no fim das contas. Mas parece que os maidenmaníacos vivem numa gangorra de uma idealização simplesmente inexistente: ou a banda “mudou demais”, ou faz “sempre a mesma coisa”.
Voltando à situação emblemática do Jean: alguns muitos fãs de Maiden gostam de usar esta expressão para analisar os discos mais recentes, “não é Iron”. Bem, se uma banda que conta com o seu fundador, seu vocalista mais consagrado, seus principais compositores, temáticas constantes (sonoras e visuais) e até o mesmo mascote (Edde, sempre indefectível) não é “A Banda”, qual seria então? É delicioso perguntar de volta para estes fãs: “então, o que é Iron?”. Provavelmente (se o sujeito não ficar sem resposta já neste ponto), ele vai dizer que Iron é o Piece of Mind, ou o The Number of the Beast, o que leva à segunda pergunta: “mas então, o que é Iron?”. Provavelmente, ele se quedará com a sentença: “sei lá, mas não é isso” – o que prova o quanto este argumento é passional e pouco aprofundado.
Gustavo: É, eu comecei a me dar conta disso depois de ouvir muitos comentários do teor “Ah, eu gosto dessa banda, mas só das antigas.” Parece muito difícil encontrar uma pessoa com mais de 25 anos que curta coisas novas. E é proporcional à idade: quanto mais velha, mais arraigada está a pessoa com seus antigos gostos.
Ulisses: Esta idealização que certos entusiastas fazem de suas bandas preferidas (não só dos nossos amigos ingleses) é um processo pessoal: o fã já teve todo o tempo do mundo de criar o seu “Iron Maiden pessoal”, aquele que vive no seu imaginário e que, quase certamente, não possuiu tantas relações assim com o que podemos chamar de “Iron Maiden real”. Desta forma, o fã (de Iron e de qualquer outra coisa) pode virar um pequeno ditador, que quer se suas vontades sejam satisfeitas. Numa relação paradoxal, o fã não permite que o artista que o cativou com sua arte possa criar esta mesma arte de maneira livre. Ou seja, o fanático fecha aos olhos (e ouvidos) à função primordial de um artista, que é a liberdade que ele tem de se expressar livremente. Se o Iron Maiden quer se expressar da forma que se expressa hoje, ele tem todo o direito – assim como tem o direito de ser criticado pela qualidade da sua música, mas não pela simples existência desta.
Gustavo: E é por isso que eu não sou xiita em relação a Beatles. Às vezes até me pergunto se eu gostaria tanto dessa banda, se não a conhecesse desde piá. Quando algumas pessoas dizem aberrações como por exemplo: “A questão é que eu não respeito os Beatles”, ou “Eles eram muito comportadinhos” – ou seja, argumentos que não tem nada a ver com a música - eu nem gasto minha saliva: a banda não fez parte da vida deles.
Vocês já tinham pensado nisso? Ou vão me dizer que não há discussão, que as antigas são melhores mesmo?
Poizé. Já discuti esse assunto com um monte de gente. Eu particularmente sempre fui de vasculhar bandas diferentes para escutar, até que de uns dois anos para cá eu notei que a maioria dessas bandas que eu encontrava e gostava eram bandas "antigas".
ResponderExcluirA partir daí comecei a escutar coisas mais novas, e com uma grata surpresa, descobri que existe MUITA coisa boa por aí. Muito disso eu credito ao Chico e ao Hisham, que me mostraram muito dessas coisas. Digamos que hoje eu tenho os ouvidos mais "livres".
Com relação ao Iron, uma vez aconteceu uma coisa engraçada. Eu estava dicutindo com um cara que se diz super-ultra-mega-supimpa-fã sobre a discografia. Eu fui comentar sobre os discos novos, e a reação foi justamente essa, "Isso não é Iron". O meu argumento foi:
- Tem as guitarras em terça, não tem?
- Tem os refrões antológicos, não tem?
- Tem as cavalgadas do Harris, não tem?
- Tem todos os membros da formação clássica, não tem?
- O Bruce continua cantando bem, não?
- Tem o Eddie, não tem?
A esta altura ele me cortou e disse:
"OK, OK. Eu não sei o que é, mas não é Iron!"
Encerrei a conversa por aí.
P.S. 1: O mais engraçado foi quando ele quase me bateu porque eu disse que achava o "X Factor" um bom disco.
P.S. 2: Sou fã de Iron desde os meus 15 anos e tenho quase toda a discografia em CD e metade dela em vinil.
Restart.
ResponderExcluirEsse é um tema interessante, e como todo fã de música de longa data já me peguei fazendo essas perguntas. Acho que esse é um fenômeno em várias partes.
ResponderExcluirPrimeiro, tem o lado de por que a gente gosta tanto das músicas que conhece primeiro. Acho que isso tem uma explicação lógica: porque não temos, na juventude, todas as referências que esses artistas com quem nos impressionamos têm. No popular: porque a gente acha que eles inventaram tudo e não conhece as coisas que eles estão "sugando".
É raro a gente conseguir superar isso, mas às vezes acontece: na minha infância e juventude o Ace Frehley era um dos meus guitarristas preferidos e eu achava o cara genial, até conhecer Led Zeppelin e ver que boa parte das coisas legais que ele fazia eram cópias do Jimmy Page. Continuo sendo fã do Ace pelo monte de composições legais que ele fez, mas com certeza se eu tivesse conhecido Led antes de Kiss teria me impressionado muito menos com ele.
Quando a gente é mais novo, ouve um som e acha "bah, genial!" e só. Quando somos mais velhos, a gente ouve uma banda nova legal e diz: "legal esse som -- tem os solos debulhados com influência do Van Halen, elementos viajantes do rock progressivo, grandiosidade do Queen, sensibilidade pop-moderna típica da escola inglesa, vocais emocionais a la Radiohead e Jeff Buckley".
Tem também o fato de que o nosso referencial só volta pra trás até um certo ponto (tipicamente até os Beatles). Já se fazia música grandiosa antes do Queen e vocais emocionais antes do Buckley, mas como a gente não ouve as óperas que o Freddie Mercury ouvia nem as divas do jazz que o Buckley ouvia, tudo parece mais original. Mas aí vem o papo de "ah, mas Fulano foi o primeiro a fazer isso no contexto do rock", o que é sempre questionável.
(CONTINUA)
Segundo, tem sim o lado emocional, porque as músicas que nos acompanham há longo tempo trazem consigo uma carga que as músicas novas não têm. Você pode me apresentar a música nova mais linda do mundo, mas o tipo de emoção que eu sinto ouvindo "5150" do Van Halen ela não vai trazer (droga, fiquei com vontade de ouvir essa música agora!). A música nova pode trazer outro tipo de emoção, claro, mas a barreira é mais alta devido ao primeiro ponto: posso ouvir uma música nova com o coração totalmente aberto para gostar dela, mas aí vai chega alguma parte que lembra alguma outra banda que eu conheço e isso me remete àquela banda e toda a carga emocional que aquela banda tem e essa nova não tem.
ResponderExcluirÉ possível dissecar qualquer música nos elementos de influência que ela tem, mas isso não quer dizer que ela seja menos original do que as coisas que a influenciaram -- existe blues no Led Zeppelin, existe Eric Clapton no Van Halen, e podemos sempre ir voltando pra trás.
Quando eu procuro música nova, eu tendo a gostar mais das coisas que sejam bastante diferentes do que as coisas que eu já gosto. Se você me mostrar uma banda nova de hard rock, é extremamente difícil que eu goste dela (já aconteceu quando tentaram me mostrar Talisman, Gotthard e essas coisas). É muito forte a sensação de estar ouvindo repeteco das minhas bandas preferidas da juventude, não adianta.
Às vezes consigo gostar de discos novos de bandas antigas justamente por possuírem elementos que me surpreendam -- eu sei que estou na minoria, mas adoro os discos que "não soam como" as bandas (um dia escrevo um post sobre isso). É o caso do Vapor Trails do Rush, por exemplo. Já o Snakes And Arrows, que pode-se dizer que soa como o Vapor Trails, eu não gostei tanto. O Into The Now do Tesla foi outro disco que eu gostei, talvez por ser mais sério e pesado que o Tesla dos anos 80.
Outro disco que foi dos meus preferidos dos anos 2000 foi o "Free" do OSI, projeto do Kevin Moore, ex-tecladista do Dream Theater (acho que já falei desse disco aqui no blog). Dream Theater, aliás, que é a típica banda que tem fãs como eu que "só gostam das antigas": em minha defesa, o que tenho a dizer é que acho que o som da banda (e a formação) realmente mudou. Pelo OSI eu vejo que o que eu gostava mais no Dream Theater era das contribuições do Kevin Moore -- com a saída dele, é lógico que eu goste da banda menos. E digo mais: acho que a influência dele na banda perdurou alguns discos, já que a sonoridade da banda foi mudando gradualmente. Mesmo caso ocorre com o Pink Floyd pós-Syd Barrett: é notável como a influência do Barrett vai diminuindo gradualmente nos discos desde a sua saída; para uma evidência concreta, é só contar a incidência dos riffs cromáticos.
Ouvindo bandas de gêneros diferentes dos que estamos acostumados temos menos referências e tudo soa mais novo. Esses dias estava conhecendo um pouco de Placebo ouvindo vídeos no Youtube. Abri a página deles no Last.fm e fui ouvindo as músicas mais populares, meio que como uma "coletânea do gosto dos fãs". Notei duas coisas. Uma: como ouço pouca coisa desse estilo, tudo soa "mais original" embora com certeza alguém que seja do meio possa enumerar as influências deles com a mesma facilidade que eu posso enumerar as influências do Def Leppard. Outra: só depois de ouvir algumas músicas comecei a reparar na data delas e vi que estava ouvindo alternadamente músicas de todas as fases da banda. Pra mim todas pareciam igualmente interessantes e sinceramente eu não seria capaz de dizer qual era mais velha que qual. Já os fãs nos comentários do Youtube, obviamente, ficavam dizendo coisas do tipo "nessa época sim que eles eram bons!"...
Acho que podemos aproveitar o que o Hisham diz para defender a ideia de que gostamos do que ouvimos primeiro porque estas músicas/álbuns/artistas foram parte necessária e essencial para formar a nossa visão de mundo. Por isso elas são tão especiais: elas expressam o momento próprio de definição de caráter e conceitos fundamentais sobre a nossa condição de indivíduos.
ResponderExcluirAcho que isso não vale só com música, mas também com todas as expressões artísticas -- só isso pra explicar o fato de ter gente que acha certos filmes oitentistas muito bons.
Como música não é o meu metiê (sim, 'aportuguesei' a palavra), não fico procurando novidades (no sentido de música sendo feita agora) para ouvir, a minha tendência é escarafunchar, sem lá grandes afincos, obras passadas que eu não conheço. Entretando, gosto de procurar o contemporâneo no audiovisual.
E puta que pariu, Hisham, tu não gosta de Talisman????????