sexta-feira, 1 de julho de 2011

Transformers ou: a discussão continua


Há dois anos aqui Sol Desafinado, escrevi em 2009 um texto criticando Transformers: A Vingança dos Derrotados. A postagem, como todos devem lembrar, gerou um grande debate e muita gente defendeu que o filme era um bom entretenimento e uma diversão descompromissada, entre outros argumentos. Curiosamente, cerca de um ano depois do lançamento, o próprio diretor Michael Bay assumiu publicamente que o segundo filme da franquia era ruim mesmo -- e que tudo seria diferente no fechamento da “trilogia”, que estreia mundialmente esta semana: Transformers: o Lado Oculto da Lua. Senti que era uma boa hora para retomar aquele debate: se, naquela vez, eu falava sobre o conteúdo da película, aqui faço uma crítica mais completa, aos moldes que costumo fazer no blog Sétima das Artes, que mantenho nos portais do Grupo Sinos.

Confesso que fui de coração aberto à sessão para a imprensa na última quarta-feira. Achava que os realizadores da série realmente teriam aprendido com os erros dos outros filmes (o primeiro também é fraco pra caramba) e que poderia pelo menos nos entregar uma obra legal. O fato de ter sido filmado em 3D (e não convertido, como nos recentes Thor e Piratas do Caribe) gerava um certo medo em quem conhece o trabalho de Michael Bay (cineasta que costuma dirigir de maneira pirotécnica), mas eu achava que a tecnologia o conteria.

Explico: Bay gosta de montagens em que os planos se sucedem em questões de microssegundos e prefere enquadrar a câmera de maneira a nunca pegar a totalidade da ação, apenas fragmentos. Desta maneira, com imagens desconexas sucedendo-se em velocidade recorde (auxiliado pela mixagem de som no talo), ele chapa o espectador e o faz pensar quer assistiu algo grandioso, quando na verdade não viu nada. Pois bem, é impossível manter esta estética no 3D: a constante troca de foco que os olhos precisam fazer entre um enquadramento e outro inviabiliza cortes excessivamente rápidos, e o efeito de imagem estereoscópica funciona melhor quando a ação é captada em sua amplitude. Ou seja, o diretor foi obrigado a desacelerar sua montagem e abrir os ângulos da sua câmera (para seus padrões, claro).

E, de fato, o 3D é bem usado no filme e a obra começa bem: uma batalha espacial no planeta natal dos Transformers, Cybertron. Depois disso, cortamos para a Terra em plena Guerra Fria, com uma reconstituição digital de John Kennedy, e finalmente chegamos nos nossos dias. A história é a seguinte: uma nave autobot (os robôs bonzinhos) caiu na Lua em plenos anos 60 e isso teria motivado a corrida espacial entre EUA e URSS. Nela, está Sentinel Prime, antigo líder autobot, e certos pilares que abrem um portal dimensional. Enquanto Optimus Prime tenta resgatar e religar o antigo mestre, descobrimos que tudo faz parte de um plano do vilão Megatron e seus Decepticons. Enquanto isso, o herói humano Sam, de namorada nova, tenta arranjar um novo emprego e sente falta de seu passado de lutas com autômatos alienígenas.

É a partir daí que descobrimos que... Bem, ninguém aprendeu nada com os filmes anteriores. Os problemas de roteiro são os mesmos: há toneladas de personagens na tela e são todos estúpidos e unidimensionais. Os pais de Sean (que nunca serviram para nada nas narrativas anteriores) continuam não funcionando como alívio cômico; John Turturro continua fazendo o mesmo ex-agente da CIA irritante; os militares mais automáticos que os robôs continuam sem sentido na história; Shia La Beouf nem mesmo carisma consegue passar. Para piorar, ainda temos as presenças da oscarizada Frances McDormand e de John Malkovich em papeis idiotas que nada acrescentam, sumindo deliberadamente lá pelas tantas. Deviam estar pagando dívidas de jogo, só pode.

Claro que a presença de tantos personagens humanos é uma tentativa mequetrefe de fazer nos importarmos com pelo menos algum deles; não estamos interessados, porém, nem neles e nem mesmo nos robôs. A ingenuidade de Optimus Prime começa a virar burrice mesmo, já que ele repete os mesmos erros dos filmes anteriores (não é à toa que os Autobots sempre estão em menor número: quem quer um líder assim?). Já Megatron também tem a sua dose de ridicularidade: sua primeira aparição é na savana africana, em que ele ordena que elefantes o saúdem com suas trombas.

Entretanto, nada é pior do que os colossais erros de lógica interna que o filme tem em si e em relação aos seus antecessores. Não, não estou falando de leis da física, estou falando da própria proposta deste universo. Ora, no primeiro filme, somos informados que os robôs aprenderam as línguas da Terra graças a transmissões de ondas de rádio (a ponto de Bumblebee só se comunicar com trechos de programas radiofônicos). Pois bem: já naquela ocasião Megatron acordava de uma hibernação de dez mil anos falando... Inglês. O mesmo para Fallen na continuação e para Sentinel agora: todos acordam de milhares de anos falando o idioma naturalmente.
Claro que não há erro pior do que afirmar que o plano Decepticon de roubar os pilares dimensionais está em curso desde os anos 60, se naquela época Megatron estava congelado no Pólo Norte. Outra: como é possível que eles tivessem planejado naquela época que Optimus usaria a “chave” para religar Sentinel, se é apenas no segundo filme que a tal “chave” aparece?

Ainda por cima, acabamos nos convencendo de que os Autobots são inúteis, já que as nossas próprias armas são capazes de destruir os Decepticons. Em Transformers: A Vingança dos Derrotados há um “canhão supersônico” disparado de um navio que, no clímax, destrói um robô imenso. Então por que não a utilizam para matar Fallen? Ah, sim, só um Prime pode matá-lo, aham. Nem preciso dizer que o tal canhão sequer é mencionado em O Lado Oculto da Lua, mas não faz mal: simples mísseis Tomahawk são capazes de abater os vilões.

Para deixar a situação ainda pior, as tentativas de humor (ainda que não tão escrotas quanto o robô com testículos de aço na fita anterior) são sempre deslocadas e mal-encaixadas na trama. Os elementos sexistas e racistas diminuem bastante, mas ainda andam por lá. Tenta-se dar a Rose Huntington-Whiteley um papel um pouco mais relevante do que o de Megan Fox (no final, ela tem uma participação mais efetiva do que ser arrastada pela mão por alguém). Mas Michael Bay não tem remédio: começa a apresentar a sua personagem pela bunda e faz questão de filmá-la sempre em ângulos baixos, como se fosse revelar o que os vestidos curtos do figurino mal escondem. Os cameramen do Pânico na TV não fariam melhor.

Bem, resta a ação. Na verdade, resta um terceiro ato de quase quarenta minutos, excessivo e anestesiante. Como não nos torcemos pelos personagens, não nos empolgamos com esta tentativa de um super-clímax. Há um segmento legal que acontece num prédio caindo que poderia quase salvar o filme -- isso se Bay não fosse um diretor tão ruim a ponto de errar o eixo (ou seja, o sentido no qual a ação se passa frente à câmera). Quando os personagens deslizam por fora do prédio inclinado, estão caindo da esquerda para direita; quando conseguem atravessar uma janela, caem no piso do prédio e, por lógica, deveriam deslizar da direita para esquerda. O cineasta não se deu conta desta mudança de sentido (um dos fundamentos básicos que se aprende em qualquer oficina de cinema) e continua fazendo seus heróis caindo da esquerda para direita.

Enfim, tolo eu de achar que poderia sair alguma coisa de uma franquia baseada numa linha de brinquedos (a série animada dos anos 1980 também era um subproduto desta linha). Efeitos especiais espetaculares? Sim, estão lá, mas não mais do que a obrigação num orçamento que beira os 200 milhões de dólares. No fim, são 2h40min de filme. A regra é clara: se não tem boa história, não tem como ser bom.

E manda o Cadu pra cá! ;)

16 comentários:

  1. No primeiro filme o optimus prime explica que aprendeu os nossas línguas pela rede (internet), o bumblebee falava por rádio por que estava com o módulo de voz danificado. No fim do filme ele até fala umas palavras.

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  2. Na internet? Então é pior ainda.

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  3. Pra provar que o Michael Bay é um mequetrefe de marca maior: ele REUTILIZOU tomadas de outro dos seus filmes, "A Ilha":

    http://www.youtube.com/watch?v=H7kcqB3thJM&feature=youtu.be

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  4. Acho que ele só quis prestar uma homenagem a ele mesmo!

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  5. É, na real ele faz isso sempre.

    - Em Transformers 1, durante uma chuva de meteoros, um gordinho aparece gritando: "é melhor que Armaggedom!"

    - Em Transformers 2, tem um poster gigante de "Bad Boys 2" no quarto do protagonista

    - Agora, ele recicla cenas de seu filme mais "obscuro".

    Certo que ele aprendeu com o Kubrick.

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  6. Pior que é pela internet mesmo, no fim do primeiro filme ele fala, já no segundo volta ao esquema do rádio.

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  7. Desculpem a demora pra responder. Eu quis assistir ao filme duas vezes, antes de poder postar qualquer comentário, para não correr o risco de cometer alguma injustiça.

    Minhas conclusões são:

    "O filme é ruim mesmo."

    Abraço
    Cadu

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  8. ...

    Resposta surpreendente.

    Mas é sério que tu foi ver duas vezes?

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  9. Bah, é sério.
    Ao final da primeira vez, eu achei o filme "bom", mas saí com a sensação de que algo estava errado.
    Então fui mais uma vez pra tirar a dúvida. Ao final da segunda vez eu descobri o que estava errado: foi o fato de eu ter achado o filme "bom", na primeira vez...era isso que estava errado.

    O Michael Bay é muito ruim mesmo. Acho que vou implorar para o Ridley Scott para ele limpar a imagem dos Transformers.

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  10. Bah. Um filme dos Transformers dirigido pelo Ridley Scott me arrastaria ao cinema pra ver.

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Agora imagina um Transformers dirigido pelo Tim Burton e estrelado pelo Johnny Depp.
    Posso até imaginar: "Transformers 4: Os Robôs se Divertem."

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  13. Ulisses, você estragou minha vida. Essas discussões contigo me fizeram prestar atenção nos erros de roteiro e continuidade. E o sintoma final foi eu ter ido assistir Ironman 3, e ter achado uma b...
    E eu vou fazer o que agora, já que não consigo mais ver graça nos filmes?

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