quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Os caças para o Brasil: disputa política, econômica e militar


Sabe-se que há tempos as Forças Armadas nacionais andam sucateadas, especialmente a FAB (Força Aérea Brasileira). Os aviões de combate trazidos para cá nos 1960 e 1970 estão plenamente superados. Os velhos Mirage, projetados na década de 50 na França, foram substituídos às pressas uns anos atrás por novos Mirage 2000. Mas ainda assim o nosso poder aéreo continuava desatualizado.

Por isso, foi lançado um novo projeto de compra de caças, o FX-2, onde três empresas disputam a venda para o Brasil de 36 caças de nova geração: a norte-americana Boeing, a francesa Dassault e a sueca Saab. A concorrência parecia ter sido vencida no feriado de Sete de Setembro, quando Lula meteu os pés pelas mãos e, na presença do presidente francês Nicolas Sarkozy, afirmou que o governo compraria o caça apresentado pela Dassault, o Rafale.

Imediatamente, o presidente foi desmentido pelo Ministério da Justiça e pelas Forças Armadas -- ainda que o mandatário acredite que é ele quem decide que aviões a FAB deve usar. Mais imediatamente ainda foi a resposta dos outros envolvidos na concorrência: a Boeing resolveu defender o seu F/A-18 E/F Hornet e a Saab começou a fazer propostas irrecusáveis pelo seu Gripen.

A preferência do governo é pelo Rafale, por conta das relações diplomáticas que Lula quer estreitar com Sarkozy -- e, por conseguinte, com a União Europeia. No entanto, fora as motivações políticas, há o aspecto econômico: Dassault e Boeing estão desesperadamente afundadas na crise global. A fábrica francesa não conseguiu vender o Rafale para nenhum país até agora e corre o risco de fechar, e a diminuição do dinheiro para compra de equipamentos militares nos EUA afetou fortemente a Boeing. Saudável apenas é a Saab, que já vendeu o seu belo Gripen para várias forças aéreas mundo afora, mas quer entrar no mercado sulamericano.

Qual seria a melhor opção para o Brasil? De acordo com o meu amigo piloto privado Fabiano Schüler, com qualquer opção o país ficaria bem armado. Vejamos:
Dassault Rafale: a nova geração de caças da Dassault não repetiu o colossal sucesso de vendas da família Mirage (usado por quase todas as forças aéreas do mundo de 1960 até hoje). Aprovado em combate recentemente no Oriente Médio, o Rafale tem grande capacidade de armamento e um raio de ação muito bom para o nosso território nacional. A França prometeu transferência de tecnologia para o Brasil. O problema é que ele é muito caro.
Boeing F/A-18E/F Super Hornet: apesar de ser baseado num projeto dos anos 1970, a versão modernizada do velho Hornet é um supercaça: desempenha múltiplas funções e tem características stealth (ou seja, baixa assinatura de radar, um "avião invisível"). O histórico de combate é invejável (foi usado em todas as guerras estado-unidenses nos últimos vinte anos). O problema é que os EUA são relutantes na transferência de tecnologia.
Saab JAS 39 Gripen: os suecos optaram por uma posição neutra durante a Guerra Fria, o que os obrigou a investir numa indústria aérea própria, para não depender de caças ocidentais ou soviéticos. O resultado está no Gripen, a quinta geração de aviões de combate da Saab, quase todos belíssimos. Em termos de armamento e de de raio de combate, o Gripen é o menos adequado para as dimensões brasileiras, mas o grande trunfo é que ele seria montado aqui no país, em parceria com a Embraer.

Os mais pacifistas perguntariam o motivo destes gastos astronômicos por três dúzias de aviões (cada um deles custa uma média de 100 milhões de dólares). Bem, o motivo não declarado vive ao norte: a Venezuela de Hugo Chávez conta hoje com a mais moderna força aérea do bloco. A Aviación Militar Venezolana possui 12 caças norte-americanos F-16 e 24 unidades do todopoderoso avião russo Sukhoi Su-30, cuja tecnologia vetorial lhe dá a capacidade de fazer proezas aéreas inacreditáveis.

Com estas aquisições e o que já existe nos seus hangares, Chávez tem à sua disposição 47 caças de grande poder de combate. Sem o programa FX-2, o Brasil teria 69 aviões de defesa aérea, quase todos sucateados (os 57 F-5 Tiger da FAB estão na capa da gaita). Com o programa, a FAB aumentaria sensivelmente o seu poder de fogo e, neste âmbito, teria a maior aeronáutica da América do Sul, com 105 aviões de superioridade aérea. O caça é a primeira linha de defesa de uma nação e, portanto, uma espécie de outdoor da sua capacidade militar (não por nada que se gasta horrores nos designs dos aviões).

Corrida armamentista? Claro que não, imagina...

14 comentários:

  1. Ao que tudo indica o Lula já decidiu pelos Rafales mas acredito que o ideal seriam os Gripen pelo preço e pelo fato de serem construidos aqui que incluiria o Brasil como produtor deste tipo de aeronave já que a tentativa anterior foi um total fracasso com a fabricação dos AMX(aquela aberração). O único ponto negativo dos Gripen, sobre a autonomia, nem se justifica pois não se deslocaria um caça da base de Canoas para uma missão na Amazônia.

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  2. Até onde eu sei, a frança vai comprar o "avião projeto" da embraer a partir de 2015, se trata de um cargueiro militar, o KC-390. Acho que a decisão de comprar o caça francês parte de um acordo bidirecional.

    E um tempo atras eu li em algum site de notícias que o brasil estava pra comprar um porta-aviões, alguém sabe se procede?

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  3. Dois comentários:

    1 - "A Aviación Militar Venezolana possui 12 caças norte-americanos F-16"

    Esquizofrenia, hipocrisia e esperteza é pouco pra definir uma relação dessas;

    2 - "Os mais pacifistas perguntariam o motivo destes gastos astronômicos por três dúzias de aviões (cada um deles custa uma média de 100 milhões de dólares)"

    Só eu que fico indignado com o quanto AINDA se gasta em corridas armamentistas e espaciais (alguém lembra do nosso astronauta brasileiro?)?

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  4. Correto, Emílio, não basta ter potência, tudo depende da estratégia com a qual se usa os caças. O AMX, porém, não é propriamente uma aberração: ele foi usado pela Itália em mais de 200 missões em Kosovo e nenhuma aeronave foi perdida. A questão é que ele não é um avião de superioridade aérea (um caça), e sim um avião de ataque ao solo. Aliás, em 1999 parece ter acontecido um ataque de AMX na Colômbia, como retaliação do Brasil contra as Farcs. Tem até histórico militar, hehehehe!

    Fábio, não sei o quanto que esta transação é sólida e o quanto que a França vai querer comprar um avião que não existe. De repente, chega 2015 e os caras não querem a peça.

    Chico, não é só tu que fica indignado. Estou é pasmo com a possibildiade do Brasil de fato ter um submarino nuclear (hein????). Quanto aos F-16, eles foram comprados antes de Chávez assumir o poder e os EUA pararam de mandar peças de reposição -- por isso são apenas 12 estão funcionando, do lote original de 24.

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  5. Bom, se a frança vai querer ou não os aviões daqui 5 anos não se sabe, mas é uma estratégia de venda deles. Uma mão lava a outra, não é por ai?

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  6. E o Eurofighter Typhoon? Alguém sabe porque eles não entraram na concorrência? Será que não estão à venda? Tantas perguntas.

    Quanto a celeuma de corrida armamentista não concordo totalmente com o Chico. Os caças são fundamentais para a proteção do espaço aéreo principalmente na Amazônia na luta contra o tráfico já os submarinos e porta-aviões sim é um absurdo.

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  7. Concordei com a matéria, mas fiquei me perguntando uma coisa: Foi um golpe de extrema sorte do nosso governante molusco, que mostrou a preferência pela França e reaqueceu uma concorrência que andava "meio devagar", fazendo que os concorrentes melhorassem as propostas, ou um ato estudado? Não consigo crer demais na capacidade do nosso chefe, mas com certeza tem gente com cérebro lá por trás.

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  8. Não acho tão absurdo investir na Marinha, que é a mais sucateada dos 3 poderes militares. Afinal de contas, não somos a Bolívia... temos um baita litoral! E também, um porta-aviões iria ajudar muito no uso dos caças.

    Só para constar, oficialmente o Brasil acabou entrando na II Guerra Mundial do lado dos Aliados porque sofreu ataques pelo mar por submarinos alemães...

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  9. O Jackson levantou uma hipótese interessante... Pode ser uma bela manobra para dar mais força às ofertas desta licitação.

    O Brasil já possui um porta-aviões, o São Paulo, que opera com caças A-4. Será que precisamos de outro? A saída para melhor defender o litoral não seria uma série de barcos menores, como fragatas equipadas com helicópteros, por exemplo?

    De fato, a Marinha talvez seja a mais envelhecida das armas. Mas, por favor, não é um submarino nuclear (por favor, gente, NUCLEAR) que resolverá os seus problemas.

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  10. Quanto ao Typhoon, tem que perguntar pros caras da Eurofighter, hehehehe. Outra ausência notável na concorrência é a de aviões russos -- Sukhoi e MiG -- que chegaram a participar da primeira licitação, onde venceram os Mirage 2000.

    Aparentemente, algumas empresas estão mais preocupadas com uma concorrência muito mais cara, a Indian Air Force Medium Multi-Role Combat Aircraft Competition, onde o governo indiano quer investir na compra não de trinta e poucos, mas sim de 126 caças (negócio na base dos 10 bilhões de dólares). É briga de cachorro grande: competem seis fábricas com suas aeronaves (Rafale, Typhoon, o novo F-18, o novo F-16, o Gripen e o novo MiG-35).

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  11. Eu tenho um tio que trabalha na aeronáutica há muitos anos e, segundo ele, os aviões do centro do Brasil são usados quase na totalidade para missões na fronteira, justamente para monitorar o tráfico de drogas. Muito mais que isso ele nunca contou porque, também segundo ele, as missões tem muitas (ou todas) as informações secretas. Então não acho que essa frota seja apenas ostentação de poderio aéreo. Pode ter a ver (e muito), mas tem muitas coisas que acontecem nas nossas fronteiras que nem imaginamos (e a mídia nem faz questão de divulgar).
    Sobre o AMX, sou um pouco leigo, mas me lembro que nos tempos de guri, ouvia dizer que apesar de subsônico (talvez a maior barreira para exportação bélica) ele tinha algumas boas inovações tecnológicas, como para o reabastecimento em cruzeiro, por exemplo.

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  12. A ideia do AMX era exatamente ser subsônico, para poder executar melhor o seu papel de avião de ataque. A baixa velocidade permite a ele voar a baixa altitude (até 60 metros, um nada em termos de aviação), abaixo dos radares e, portanto, chegar em cima do alvo sem ser notado.

    E eu tenho certeza que os militares da Amazônia fazem umas missões secretas por eles mesmos, sem seguir ordens superiores... ;)

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  13. Dassault e Boeing estão desesperadamente afundadas na crise global. (...) Saudável apenas é a Saab

    Curiosidade: há duas semanas atrás estive em Linköping, na Suécia, onde fica a fábrica que faz esses caças. Eu nem sabia dessa história dos caças; foi o pessoal de lá mesmo que me contou que o Brasil está nas manchetes dos jornais da cidade em função disso. Eles andavam numa expectativa forte por esse resultado -- o que me falaram lá é que se eles não fecharem esse contrato o desemprego vai pegar certo na simpática cidadezinha de 140 mil habitantes.

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  14. Sim, a Saab tem uma história muito interessante. E ela está saudável no sentido de relação com o que se fala da Boeing e da Dassault (da francesa, fala-se em falência se perder a concorrência).

    (que saudade estava eu de alguém discordado de mim, hehehehehehe!)

    Não dava pra fazer um tour na fábrica?

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