sábado, 28 de novembro de 2009

Um Solista no AC/DC: o show em si


O sub-título do post poderia ser "megaprodução é questão de detalhe".

De acordo com a divulgação oficial, a Black Ice World Tour foi o show mais visto este ano, batendo Madonna e U2. Em Buenos Aires, por exemplo, teve-se que marcar duas datas extras para dar conta da demanda por ingressos. Em São Paulo, reuniram-se 70 mil pessoas no Panetone (ver post abaixo), o que é o maior público do qual eu já participei.

Tudo no show é estrepitosamente grande. As dimensões do palco, por exemplo são titânicas: 78 metros de comprimento por 21 de pronfundidade, e o pé direito era simplesmente impossível de imaginar de tão alto. O palco era devidamente ornado com um telão atrás da bateria e dois nas laterais, esses na posição vertical. Fora dois imensos bonés com chifres no topo do palco.

A abertura é fora de série: começa com os telões exibindo uma animação de um Angus Young demoníaco perdendo o controle de um trem. Quando a máquina vem em direção ao público, a surpresa: o telão de dentro do palco se divide em dois e uma locomotiva cênica de seis toneladas invade o palco -- no que entra a banda para tocar Rock 'n' Roll Train, do novo disco. A locomotiva, aliás, é parte essencial do show: ela liberta labaredas de fogo em T.N.T., em sincronia com a música, e é montada por uma colossal boneca inflável (outro clássico dos shows da banda) em Whole Lotta Rosie.

O show é repleto de momentos para arrancar o grito do público, reformulando todas as clássicas teatralidades do AC/DC. O clímax é sempre os canhões disparando em For those about to rock (we salute you)? Ok, vamos então usar doze canhões desta vez. O vocalista Brian Johnson sempre toca um imenso sino em Hells Bells? Então vamos fazer aquele velhinho de 62 anos (sim, é a idade do cara) vir correndo por uma passarela de uns 50 metros que vai pista adentro, se jogar e se pendurar na corda do dito sino. Angus Young faz um longo solo no final? Então agora ele atravessa a tal passarela até chegar a uma plataforma giratória no meio do público, onde ele é elevado a uma altura de uns 10 ou 15 metros para ser visto por todo o estádio.

O incrível do espetáculo, contudo, não foi a sua grandiloquência, mas sim as suas sutilezas. O set de iluminação, por exemplo, ia sendo revelado aos poucos, e só lá pela sexta canção é que víamos todas as luzes. No decorrer do show, porém, é que descobríamos que elas ainda se moviam e trocavam de cor, em possibilidades quase infinitas de combinações. Além disso, outras pequenas e inteligentes sacadas traziam o público para dentro do show, como as câmeras buscando as mulheres da plateia durante Shook me all night long e The Jack para mostrá-las nos telões; ou, ainda, a parte do palco cujo chão era de acrílico, onde Angus Young podia reproduzir a clássica cena do clipe de Thunderstruck -- sim, posicionaram um trilho de travelling e uma câmera debaixo do palco somente para este momento. A já citada Rosie inflável, por exemplo, batia o pé no ritmo da música, e por aí vai. Chega, vou demorar demais se citar tudo o que me chamou a atenção.

Ah, sim, tem a parte musical: todo mundo sabe que o AC/DC não é nenhuma agremiação de virtuoses, mas nem por isso são desleixados. A banda executa as suas músicas simples como um relógio, sem erros. O set list impressionou pela inserção de várias músicas do novo disco, alternadas com os clássicos -- bandas sem a mesma antiguidade se rendem à segurança de tocar apenas seus sucessos. Os australianos mostraram que tem o culhão de desafiar a audiência a ouvir seu trabalho recente (muito bom, aliás). Então a banda pulava de faixas do Black Ice, como War machine, Big Jack e a faixa-título, para Back in black, Highway to hell e Let there be rock com a naturalidade de quem gosta do que está fazendo. Brian Johnson não faz mais tudo aquilo que fazia antes com a voz (notadamente em Hells Bells), mas também não tenta esconder este defeito.

Sim, Angus Young, devem estar querendo saber dele. Para quem já se acostumou a guitarristas mais técnicos, mais criativos e mais sofisticados, o solo de vários minutos que o sujeito faz pode ser perto de um suplício. Mas virtuose ou senso estético apurado não é o foco aqui: a ideia é a celebração do guitar hero -- do cara que se entrega como ninguém ao palco, esbanjando simpatia e felicidade. Eu já vi Malmsteen esmerilhar hipnotizantemente o seu instrumento para deixar o palco com um sonoro "fuck" para o público, e me ocorreu que Angus Young não é festejado pela sua grandeza musical, mas sim por representar que o rockstar é nada mais que um sujeito comum que realiza um sonho de adolescência -- tocar guitarra para uma multidão.

Bem-aventurados os simples de espírito, porque serão louvados, certo? Engraçado como isso pode ser apropriado para um cara que toca uma música chamada "estrada para o inferno" para setental mil pessoas enloquecidas, usando dois chifres na cabeça...

6 comentários:

  1. O show que falta na minha vida. Bem-aventurados os que conseguiram vê-lo, isso sim!!

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  2. Excelente relato Uli.
    70.000 pessoas? poxa... entao o gramado foi todo de pessoas em pé, certo? No show do waters que eu fui o gramado era todo de cadeiras, o estádio estava lotado e deu 40.000. Ficou bem localizado?
    Moser

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  3. Hehehe, assim que eu tiver um tempinho, escrevo sobre a indiada e as aventuras como público. ;)

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  4. E exatamente, na pista o público estava em pé.

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  5. "It's only rock'n'roll, but i like it". Essa música devia ser deles.

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