Um termo relativamente novo é a buzzword do momento no mundo do cinema: performance capture. Basicamente é um nome novo para a conhecida técnica de motion capture, que visa enfatizar o impacto artístico que o avanço tecnológico da técnica proporcionou.
O motion capture, a técnica de gerar uma representação digital movimentos para aplicá-los sobre modelos 3D, começou como um meio de gerar movimentações mais realistas para personagens animados por computador, já que traçar manualmente o movimento de cada parte do corpo é muito trabalhoso e demanda um grande talento de "puppeteer" dos animadores. Ao longo da evolução do motion capture, a técnica veio sendo usada em conjunto com a animação manual, já que a tecnologia permitia capturar grandes movimentos, como braços e pernas, mas apresentava dificuldades com a sutileza de um rosto. Essa dificuldade com as sutilezas foi em grande parte o motivo da técnica encontrar mais uso em comédias de animação, como os filmes da Pixar, onde não há problemas em se ter movimentações caricatas e expressões faciais pouco realistas.
A primeira grande tentativa de fazer um filme 3D usando inteiramente motion capture visando resultados realísticos foi em Final Fantasy, produzido pela Square (que não é um estúdio tradicional de cinema, mas sim uma empresa de games). Os resultados foram impressionantes para a época, mas mesmo assim todos sabíamos que a tecnologia ainda estava longe de "chegar lá".
Com o passar dos anos, o processo foi evoluindo e os filmes lançados ficam como retratos do avanço da técnica: basta comparar os filmes The Polar Express (2004) e Beowulf (2007), ambos do diretor Robert Zemeckis.
O exemplo de hoje, claro, é Avatar de James Cameron. Mas e aí, ele é só mais um passo em um processo gradual ou o avanço na técnica de motion capture deu um salto que justifica um novo nome?
Assistindo ao "making of" das cenas com os na'vis em Avatar, tendo a acreditar na segunda opção. Mais do que o avanço tecnológico, é notável a diferença no processo no que tange o trabalho dos atores. Provavelmente em cinco anos acharemos o resultado visual de Avatar ultrapassado, mas o mapeamento que existe entre a performance emotiva dos atores e o que aparece no resultado final é muito mais direto. O simples fato de que a performance corporal e as expressões faciais são capturadas em conjunto permitem compor no modelo 3D uma representação consistente do trabalho do ator. Compare isto com o processo tradicional e a diferença é gritante: no motion capture os atores capturando movimentos são quase como "dublês" dos modelos 3D.
O interessante disso tudo, muito mais do que a "graça hi-tech", é o potencial que essa técnica tem ao proporcionar novos graus de liberdade artística. No "making of" de Avatar, vemos o diretor filmando as cenas do voo dos ikrans capturando o movimento de miniaturas, como uma criança que brinca com um aviãozinho de brinquedo, ao invés de traçar curvas na tela de um computador. Mais impressionante ainda, vemos Cameron controlando o ângulo da cena movendo fisicamente uma câmera virtual no set que reage a uma performance previamente capturada, como se estivesse navegando no ambiente 3D de um jogo. Hoje um ator pode dar uma performance emotiva única e o diretor tem a chance de mover a câmera e testar outros ângulos depois do "corta!". É análogo ao salto que a música deu quando a gravação multi-pista foi criada.
A técnica ainda está na infância, claro, mas já podemos visualizar qual será o passo seguinte: a renderização de personagens humanos realmente indistinguíveis de uma pessoa filmada por uma câmera tradicional. Cruzar essa barreira é o grande desafio, pois envolve não apenas tecnologia mas superar uma resistência psicológica dos espectadores, o chamado "uncanny valley": foi observado que de maneira geral a reação das pessoas a figuras humanóides é particularmente negativa quando a figura é quase-quase humana.
Ainda não chegamos no ponto onde se pode fazer um filme plenamente realista renderizado totalmente por computador, mas estamos mais perto do que a maioria pensa. As duas partes do quebra-cabeças são a captura dos movimentos e a renderização das imagens. Na captura dos movimentos tivemos um belo show com Avatar, e pesquisas recentes mostram como a tecnologia pode simplificar bastante, como podemos ver nesse vídeo apresentado no SIGGRAPH de 2007. Na parte de renderização das imagens, fiquei realmente impressionado com estes resultados apresentados no SIGGRAPH de 2008. (E isso que ainda nem parei pra ver os vídeos do SIGGRAPH de 2009, e já estamos em 2010! :) )
Mas e aí, quais os resultados práticos disso? Eu acredito que, quando chegarmos nesse ponto, uma nova era vai se abrir na maneira como se produz cinema. Os diretores terão um grau de controle sobre o resultado final muito maior que o de hoje. E principalmente, os atores não serão mais limitados pela sua idade ou aparência, somente pelo seu talento: poderemos ver uma performance magistral de um jovem Hamlet produzida pela experiência de um ator de 70 anos.
Enquanto não temos o pleno realismo, podemos experimentar um pouco disso com personagens fantásticos como os na'vi ou desenhos animados. O já citado Robert Zemeckis anunciou que fará um remake do desenho Yellow Submarine usando performance capture, e anunciou os atores que interpretarão os Beatles: surpresa nenhuma que eles não se parecem nem um pouco com os Fab Four. O importante é o talento pra interpretação e o trabalho de voz. Inclusive, as cenas de performance musical serão capturadas por músicos: ou seja, as pessoas mais indicadas para fazer cada parte, sem a velha esquisitice de ter que evitar filmar o rosto dos dublês nas cenas de ação.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
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Muito bom o texto!
ResponderExcluirIsso me fez lembrar que, na época do lançamento de Final Fantasy, a grande discussão era se no futuro precisaríamos de atores. Algumas pessoas até ficaram bastante decepcionadas com o filme, pois esperavam realidade absoluta nos personagens. Para mim, essa técnica deixa claro o quanto ainda precisamos e vamos precisar de bons atores, e quanto o talento vale mais do que um rostinho bonito.
Impressionante!
ResponderExcluirSó o que eu tenho a dizer sobre a tecnologia desse filme...
E nem vou falar do som, antes que eu seja apedrejado ;)
Hisham deu show no post de cinema. :)
ResponderExcluirEu jamais fui um dos xiitas que acreditam que a tecnologia irá tirar o espaço dos atores nos filmes -- até porque o cinema pode prescindir deles (como nos casos dos documentários e das animações, dependendo da situação).
Entretanto, sou um pouco cético no que se diz respeito às aplicações da "tecnologia da perfeição" (na falta de um termo melhor) - não no sentido da sua utilidade, mas sim o da sua amplitude. Quando chegarmos no ponto de podermos fazer um filme totalmente realista por computador, provavelmente chegaremos à conclusão que não há necessidade em fazê-lo.
Claro, existirão casos exemplares onde isso pode ocorrer (como no bom exemplo do Hisham, de um ator idoso poder interpretar um personagem jovem, etc). Mas estes casos serão pontuais. A imensa maioria dos filmes continuará sendo feita da maneira como conhecemos o cinema hoje. Fora um que outro momento específico, não vejo maiores benesses em se poder recriar um ser humano realisticamente por computador o tempo todo numa obra cinematográfica.
Pode parecer ranço antitecnológico, mas não é. Na verdade, este argumento é baseado na minha compreensão de como o cinema adota as diferentes tecnologias criadas para a indústria. A sonorização foi a mais brutal e revolucionária delas, e ainda hoje somos cercados de exemplos de filmes que utilizam em algum grau a forma narrativa do cinema mudo, sem o uso de diálogos para "explicar" a ação. A segunda revolução mais impactante foi o do registro completo de cor (não por acaso surgido logo depois do som), e ainda hoje o uso do preto-e-branco em todas as formas audiovisuais é comum, e assim por diante.
Em suma, o que eu quero dizer é que cada nova revolução técnica do cinema é adotada de maneira cada vez menos ampla. O que eu considero o marco mais recente, a CGI, não foi abraçada por metade dos realizadores cinematográficos (a porcentagem é hipotética e puramente retórica) - não por resistência à inovação, mas por desnecessidade de utilizá-la.
Mas enfim, é só uma impressão pessoal e o futuro pode me provar que eu estou redondamente errado. :D
Ah, sim, um adendo: acredito que os efeitos de Avatar não estarão superados em cinco anos, ou mesmo um dia parecerão superados. Até hoje vejo Jurassic Park e os efeito funcionam melhor do que muitos filmes recentes.
ResponderExcluirO motivo é o fato de que o que rege a qualidade do efeito especial não é o grau de "perfeição" em si, mas sim a sua adequação ao restante do filme e o impacto estético que propicia ao espectador.
Enfim, desculpe a demora em responder, mas eu queria ver todos os links do texto, hehehehe.