segunda-feira, 20 de julho de 2009

Pagando as dívidas

Perdoem-me os colegas do blog pelo tom auto-biográfico desse post, mas acho que o assunto é de interesse geral e espero que todos possam contribuir com as suas impressões sobre esse tema.

Nesse último sábado, na Embaixada do Rock, em São Leopoldo, toquei em uma só noite em dois shows que com certeza estiveram entre os melhores que eu já tive a oportunidade de fazer parte: um set especialmente roqueiro de Beatles com a Flaming Pie (Gustavo, Skizo, Guto e Flagg), e um encerramento de noite fantástico com a gurizada da Sikk (Félix, André e Chico), tocando Kiss.

Não lembro exatamente do horário, mas devia ser entre 3 e 4 da manhã quando cheguei na casa da minha irmã pra dormir um pouco (tinha outro show pra fazer às 13h do dia seguinte), cansado, suado, com a garganta totalmente destruída... mas em estado de graça, com as músicas das bandas que fizeram a minha infância e adolescência ainda tocando na minha cabeça, e com as imagens dos shows e da gurizada que assistia cantando junto, compartilhando essas músicas. Na hora que botei a cabeça no travesseiro pra dormir, o pensamento que me veio à cabeça, de reflexo, foi: "Bah, paguei as dívidas hoje."

Acordei na manhã seguinte com a frase ainda na cabeça. Nunca tinha pensado por essa ótica, mas de repente fazia todo o sentido: eu me sentia em dívida com essas bandas que foram partes fundamentais da minha formação como músico. Aprender a tocar as músicas deles era um estudo, tocar elas (ainda mais pra um público formado em grande parte por gente mais nova) é mais do que declarar publicamente a influência, é quase "espalhar a palavra". Lembro de depoimentos de várias pessoas que me disseram que depois de shows da Fink Ployd foram atrás de material do Pink Floyd pra conhecer mais sobre a banda. Lembro do Jean falando depois do primeiro show da Sikk: "cara, eu descobri que sou fã de Kiss!"

Nunca tinha me dado conta, até esse domingo, que essa é a origem do termo "tributo". A gente fala tanto essa palavra sem pensar e não nos damos conta que quando falamos em "show de tributo" é como se estivéssemos pagando tributos mesmo, pagando "impostos" devidos a essas bandas que contribuíram tanto ao nosso processo formativo e merecem restituição.

Fez sentido concreto pra mim também esse sentimento que eu só tinha abstratamente, de que pagar esses tributos é parte de um processo, do processo da formação da nossa própria identidade como músico. Por isso talvez eu sempre tenha insistido que a Fink Ployd deveria ser um projeto com começo, meio e fim, e não uma banda que fosse "um fim em si mesma". Eu me sinto com as dívidas pagas com o Pink Floyd, e especialmente com o Dark Side of the Moon, o álbum que mais me marcou na vida. Pra esse ano, ficou a tarefa de pagar as dívidas com os Beatles, a banda que mudou a minha relação com a música, e com o Kiss, que foi a primeira banda de que realmente fui fã.

Confesso que à medida que esses tributos vão sendo pagos, cada vez menos eu sinto vontade de tocar covers, embora existam inúmeras outras bandas que também mereçam homenagens. Talvez porque o próprio ato de realizar esses projetos dê uma sensação de "dever cumprido" e vontade de partir para passos seguintes. Talvez porque ao olhar para a minha participação em cada um desses projetos eu perceba uma parcela de identidade comum, que deve ser a minha própria (e isso eu posso dizer que vejo também em vocês, meus amigos e colegas de projetos com quem eu tive a chance de tocar em mais de um contexto musical diferente).

E vocês, caros amigos solistas desafinados, qual a relação de vocês com esse processo?

7 comentários:

  1. Hisham, eu nunca usei a expressão "banda cover", mas sim "banda tributo".

    Eu emprestei os DVDs do Anthology dos Beatles pra um amigo meu, e quando ele devolveu me disse:
    - Tem um monte de músicas legais que eu não conhecia...

    Penso que parte do público da Flaming Pie se depara com isso também. Parecido com o que conversamos semana retrasada: "As pessoas vão pra ouvir Twist and Shout, e tomam Birthday/Yer Blues na cabeça!"
    Quem não conhece, descobre que tem muita coisa legal de Beatles que não sabiam que existia. E pra quem conhece, muitas vezes é a primeira oportunidade de escutar várias músicas ao vivo! E o fato da gente colocar toda a nossa energia em cima do palco contribui positivamente para essa experiência deles.

    Acho que não existe melhor forma de "spread the word" sobre os Beatles, mesma expressão que tu citaste em português. Pagamos as dívidas e com juros, perpetuando a música deles.

    Sobre projetos: eu também tenho pavor da estagnação bandística. Já comentei algumas vezes que, assim como o projeto Fink Ployd tocou discos inteiros do Pink Floyd, vem sempre na minha cabeça a idéia de montar projetos com os discos dos Beatles. Mas por enquanto tem algumas barreiras (principalmente psicopáticas) da minha parte que me impedem de começar. Um dia isso sai.

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  2. Cara, em primeiro lugar, preciso dizer algo: foi o show mais legal que eu fiz na minha vida! Só isso já valeria a noite. Além disso, pude ver outros dois shows duca, principalmente o da Flaming Pie, com gratas surpresas para este fã de Beatles.

    E, sim, o tributo é esse mesmo: pagar uma dívida com esses artistas que nos inspiraram de uma maneira ou de outra a sermos estes seres apaixonados por música e pela arte do rock. Pagar esta dívida junto com AMIGOS, então, dá uma sensação ainda melhor pra este ritual (sem referências a esta outra banda já clássica).

    Só tem um problema: como vou pagar esta dívida a todas as bandas que me influenciaram? Vou ter que participar de tributos ao Queen, ao U2, ao Bon Jovi, ao Deep Purple...

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  3. Resposta Ao Último Parágrafo Do Chico!

    Porque não?

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  4. Bom, acho que concordo com todos vocês. Eu adoro participar desses projetos, isso me ajudou e muito a crescer como músico e artista. Pelo menos pra mim, escutar a música e executar ela são experiências completamente distintas. Normalmente na segunda a admiração pelas música acaba aumentando.

    Com relação ao segundo parágrafo do Chico. Uma vez comentei com o Hisham e com o Barolho. Fizemos uma brincadeira de pegar algumas bandas clássicas e ficar pensando quem seria "a nossa" formação. Eu pelo menos cheguei a conclusão de que podemos montar mais um monte de projetos como esses.

    Chico, gente nesse blog para fazer isso é o que não falta ;) Estamos sempre prontos para mais uma empreitada!

    Parafraseando o Flag: Porque não?

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  5. E quem ia ser o vocal do Tributo ao Led??

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  6. Falando em tributo ao Led, tenho que citar também a excelente banda de tributo ao Led que fez parte do nosso magnífico sábado. Os caras da The Rovers mandaram muito bem. Aliás, o estado está bem servido de bandas cover de Led: essa e a Moby Dick são duas excelentes bandas. Foi uma experiência bastante interessante observar as diferenças das bandas, também, e ver nisso o quanto a personalidade dos músicos consegue transparecer a duras penas, por entre essa cruel tarefa de "copiar" a performance das lendas...

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  7. Putz. Nunca pensei neste aspecto. Mas, se é para eu também responder: eu tenho inúmeras dívidas artísticas para pagar tributo, e nenhuma delas está perto de ser quitada.

    Neste sentido, vocês são muito felizes. ;)

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