terça-feira, 2 de junho de 2009

Falsas dicotomias: hipocrisia ou diversão?

Bom, o pessoal que caiu de paraquedas aqui no blog deve ter reparado num certo "padrão" em alguns títulos de posts, do tipo "X: Y ou Z?"... isso começou como uma piada durante a madrugada em que passamos na cozinha da casa de praia do Coutinho, num papo que foi até a manhã seguinte e que foi o embrião que resultou nesse blog.

Como em vários momentos a coisa parecia um daqueles programa de debates, começamos a tirar onda agindo como se fosse, com todos os clichês: "no próximo bloco...", "um oferecimento de...", etc. Um clichê que gerou muitas piadas posteriores foi é claro o padrão "X: Y ou Z?" tão usado nesses programas do tipo "mesa redonda de assuntos polêmicos".

Nesses programas os caras adoram pegar uma situação qualquer e pintá-la como uma dicotomia. Nas palavras da Wikipedia, pra poupar as minhas, a falsa dicotomia é "também conhecida como "falácia do branco e preto". Ocorre quando alguém apresenta uma situação com apenas duas alternativas, quando de fato outras alternativas existem ou podem existir". Coisas do tipo "a internet aproxima ou afasta as pessoas?" ou pior, "os ataques à Casa Civil têm fundamento ou o objetivo é desgastar Dilma Rousseff?" (sim, isso já rolou). Obviamente em ambos os casos há mais de duas opções!

Pra completar, os programas que fazem isso gostam de fazer "pesquisas interativas" onde os ouvintes tem a opção de "votar" em uma das duas opções. Votar? a opção certa vai ser eleita, então? Claro que eles não sugerem isso, mas o que se sugere é que é um snapshot da "opinião pública". E daí até saltar a outra falácia é um pulo, afinal de contas não cansam de dizer por aí que "vox populi, vox Dei". Um conjunto pequeno de pessoas que não foi sampleado aleatoriamente (pelo contrário, são pessoas com opiniões fortes a ponto de fazerem questão de fazer parte da pesquisa) e que não têm a possibilidade de expressar por completo o que pensam, apenas tentar se encaixar dentro de uma falsa dicotomia, não é representativo da opinião pública.

Aqui no blog a gente faz uma brincadeira com isso, botando nos títulos as falsas dicotomias sensacionalistas, mas elaborando as opiniões nos textos. E o mais legal é que aqui nesse meio do blog as pessoas podem elaborar suas opiniões também (e não apenas votar "sim" ou "não") e cada opinião fica associada à pessoa, e não derretida numa panela pra fazer uma porcentagem. (A essas alturas, deve estar claro que a "pesquisa" ali do lado não é pra ser levada muito a sério. :) )

Mas afinal de contas... "pesquisas interativas em programas de rádio e TV: veículo para participação ou manipulação da opinião pública?" ;) Os microfones estão abertos!

15 comentários:

  1. Ainda temos que postar os patrocinios e as trilhas sonoras ... aheuhaeuaeuh

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  2. Valeu! :) Eu me dei conta de como eu entreguei a minha velhice ali escrevendo "filosofia de segundo grau" nas tags... agora é Ensino Médio, né? :)

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  3. Exatamente! Hehehehehe!

    Eu só me adaptei porque trabalho como professor, senão...

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  4. Aliás, no tempo que eu fazia "segundo grau" nem tinha aula de filosofia no colégio! Pelo menos não no Instituto Rio Branco, onde eu estudava... a gente tinha era "Educação Moral e Cívica" (wtf...), pelo menos aí se vê que as coisas evoluíram. Ponto para a gestão do MEC que instaurou tal mudança (que não sei qual foi) e para o monte de gente que com certeza deve ter brigado bastante para isso acontecer.

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  5. No meu "segundo grau" eu tive filosofia e também psicologia, lá em Montenegro. Mas também tive a disciplina sucessora da Educação Moral e Cívica, que atendia pela sigla OSPB -- se eu não me engano, era "organização sócio-política brasileira". Resquícios do ensino da era ditatorial.

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  6. Menos mal que não escreveu "filosofia do ginásio"...

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  7. Tive OSPB no colégio, chamávamos de "OSPBosta". Seja qual for o objetivo da disciplina, não havia forma mais chata de se ensinar.

    E foi muito bom o Hisham ter puxado o assunto das "falácias". Depois de começar a ler "Como vencer um debate sem precisar ter razão" do Schopenhauer, muitas coisas ficaram claras.

    Vamos postar mais sobre esses assuntos, dessa forma poderemos contribuir em aumentar o discernimento da sociedade brasileira, que é tão facilmente manipulável. (óóóóó...!)
    ;)

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  8. Toda vez que vocês citam o Schopenhauer, eu lembro do Carl Barks.

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  9. Ah, sim, a pergunta que fecha o texto:

    "pesquisas interativas em programas de rádio e TV: veículo para participação ou manipulação da opinião pública?"

    Na minha opinião, nenhuma delas. Estas amostragens são inócuas, servem apenas com o propósito de deixar o programa mais dinâmico e atraente ao ouvinte/telespectador. É uma forma de ressaltar a qualidade de entretenimento (quanto mais quadros um programa tiver, melhor ele fica), não tem "valor nenhum científico" -- como gosta de ressaltar o site da Folha ao fazer este tipo de enquete.

    Em suma, eu encaro como uma ferramenta de comunicação, não como sendo algo que serve para qualquer coisa além do espectador ficar mais atento à programação.

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  10. Eu acho que esse tipo de pesquisa nada mais é do que um placebo, uma pílula de farinha pro espectador/ouvinte/whatever se sentir bem, supostamente participando e colaborando com a produção do programa.

    Na verdade, esse negócio é uma coisa um pouco de uma postura "acima da carne seca" que as grandes redes tomam, uma espécie de esmola pro público. Aqui no Brasil, as grandes redes de comunicação não estão preparadas - e na verdade nem têm o interesse - para a mudança que já aconteceu no relacionamento do público com a informação e com a opinião pública. O mais perto que temos de uma real colaboração equilibrada entre mídia e público na discussão de assuntos de interesse geral da sociedade está na Internet, embora, na minha opinião, isso ainda se dê de uma forma um tanto filtrada em demasia - ou ainda o contrário, de forma bagunçada, descambando pro desrespeito entre as partes.

    Esse sistema ainda não encontrou um equilíbrio, um ponto onde a via realmente torna-se de duas mãos (a informação vai e volta das duas fontes: mídia e público).

    Por um lado, alguns jornalistas defendem que só esta classe teria propriedade para falar/contextualizar/contar a "verdade" sobre determinados assuntos (esse é um dos pontos mais polêmicos da arrastada discussão sobre o reconhecimento do diploma do jornalista, por exemplo). Por outro lado, temos o crescente e exponencial acesso das grandes massas às tecnologias de informação, o que cria uma demanda e uma necessidade muito grande de fazer-se ouvir (com razão) e dá a chance, finalmente, de uma real exposição da opinião de pessoas que não teriam a mínima chance de serem ouvidas num modelo antigo de mídia.

    Pra embolar ainda mais o meio de campo, um senador como o sr. Eduardo Azeredo propõe um projeto para controlar a Internet, uma espécie de policiamento ditatorial na grande rede (leiam mais sobre isso nesses três textos: http://pedrodoria.com.br/2008/07/07/a-lei-do-senador-azeredo-e-o-que-ela-faz-da-internet/

    http://www.safernet.org.br/twiki/bin/view/SaferNet/Noticia20061117220727

    http://www.idelberavelar.com/archives/2006/11/a_internet_do_sr_eduardo_azeredo.php)


    Enfim, o que quero dizer com tudo isso é que, enquanto essas relações tiverem mais a ver com interesses politicos do que com interesses da sociedade, a coisa vai ficar como está, ou até piorar.

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  11. Corrigindo a mim mesmo: "por cima da carne seca", não "acima da carne seca". DÃ.

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  12. Texto muito bom Chico, muito elucidativo. Até me envergonhei de ter dado pitaco no assunto, hehehehe!

    E "acima da carne seca" não deixa de ser uma expressão interessante...

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