O site da Folha de São Paulo noticiou hoje que o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, teve aprovado pela Lei Rouanet um projeto de um DVD baseado no seu atual show. A Lei Rouanet é aquela que dá a possibilidade a projetos culturais de recolherem, junto a empresas, dinheiro que elas usariam inicialmente para pagar o Imposto de Renda (a tal da renúncia fiscal). Surgida no início dos anos 1990, ela tem por objetivo fomentar a produção cultural no país, com projetos que contemplassem artistas consagrados e desconhecidos, direcionados a todos os públicos.
Prestes a sofrer alterações importantes, a Lei Rouanet é alvo, há tempos, de debates e polêmicas -- especialmente porque aprova captação de recursos para projetos e artistas não só consagrados, como comercialmente viáveis. O Cirque du Soleil, por exemplo, ganhou uma liberação espetacular de 9,4 milhões de reais em 2006. Seria ótimo se o incentivo fiscal deixasse os ingressos da apresentação mais acessíveis à população, o que não aconteceu. As entradas variavam de R$ 50,00 a R$ 370,00. Até mesmo Vanessa da Matta (R$ 900.000) e Caetano Veloso (R$ 1,7 mi) tiveram projetos aprovados. Pelo menos no caso de Caetano, o Ministério da Cultura exigiu que os ingressos girassem entre R$ 20,00 e R$ 40,00 -- e não R$ 200,00, como planejado incialmente pelos produtores.
Agora, Gilberto Gil é o beneficiado: seus produtores foram autorizados pelo MinC a captar o valor exato de R$ 445.362,50. Todo este dinheiro para produzir DVDs que custarão cerca de R$ 50,00, gravados em shows cujos ingresos podem custar R$ 60,00. Ou seja, os ganhos da produção ainda serão consideráveis, fora o dinheiro proveniente de renúncia fiscal.
Fora o fato de ser um absurdo em si (um artista consagrado pegando dinheiro que seria público para a confecção de um produto sobre o qual ele vai ganhar ainda mais dinheiro), Gil tem a resposabilidade moral e ética de não pedir dinheiro para o governo atual, do qual já foi parte integrante do Executivo. Para a lei não é, mas para mim é tráfico de influência. A justificativa? Um distorcido, porém irretocável, argumento de que a "lei é para todos". Busca-se explicar este ato (senão reprovável, pelo menos questionável) na base da igualdade. Já dizia o Humbertão: "uns mais iguais que os outros" -- ou ainda, como diria Jackson Ritter, "Explica mas não justifica".
Já tevem um tempo que o "P" de MPB quis dizer "popular". O que significaria agora?
Entendendo a Lei Rouanet - um resumo:
O funcionamento da Lei Rouanet é relativamente simples na teoria. Seria mais ou menos assim:
• O artista ou produtor cultural envia o seu projeto para o Ministério da Cultura, para que ele seja avaliado por uma comissão técnica. O projeto pode ser de qualquer atividade cultural: filme, teatro, música, artes plásticas, folclore, etc.
• O MinC aprova ou não os projetos. Em caso de aprovação, ele pode liberar todo o montante pedido pelo artista ou produtor cultural, ou apenas uma parte.
• Com a aprovação do MinC, o artista ou produtor cultural pode recolher o valor junto a empresas ou particulares. Elas podem dedicar uma porcentagem (4% para as pessoas jurídicas e 6% para as físicas) do seu Imposto de Renda devido, que elas invariavelmente dariam ao Estado, para estas produções, ganhando várias contrapartidas (publicidade gratuita e ganhos de bilheteria e comercialização).
• O artista ou produtor cultural realiza o seu projeto e precisa fazer uma criteriosa prestação de contas para o MinC.
• Ou seja: de forma indireta, o artista ou produtor cultural está se usando de dinheiro público (que seria usado para os gastos da União) para realizar a sua obra ou evento artístico. Este uso é o maior causador de discussões em torno da Lei Rouanet.
Vale-cultura:
Não sei o quanto os meus colegas Solistas Desafinados estão inteirados a este respeito: o Governo Federal lançou recentemente o programa Vale-Cultura, uma espécie de Bolsa-Família para bens culturais. De acordo com este projeto, os trabalhadores de baixa renda receberiam um cartão magnético, com o qual pode comprar livros e CDs, ir a shows, peças e cinemas. O valor inicial mensal é de R$ 50,00, mas há planos de aumentá-lo para R$ 150,00 com o passar do tempo. Pensa-se agora que professores devem também receber o Vale. De novo, a justificativa: apenas 13% da população tem acesso a manifestações culturais.
O Vale-Cultura custará aos cofres públicos o estimado de sete bilhões de reais. Ou seja, mais oneração aos cofres públicos e risco de aumento de impostos. No entanto, para nós da classe artísitica (e todos que escrevem neste blog o são, com maior ou menos intensidade), a notícia é simplesmente maravilhosa (e eu, como professor, seria duplamente favorecido).
Então, a questão para nós é: defendemos nossos próprios interesses e saudamos o Vale-Cultura ou nos preocupamos com o quadro geral, com o saneamento das contas do Estado, criticando o programa que vai gastar ainda mais dinheiro público? Deixo vocês responderem antes de dar minha posição.
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
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Quem é Humbertão? Tu quis dizer Orwell, né?
ResponderExcluirNão, quis dizer o titio Gessinger, mesmo, já que na sequência eu citaria o Guru Maior da Humanidade e do Churrasco.
ResponderExcluirAh, Hisham... sempre subestimando o HG... :)
ResponderExcluirE eu não acredito que, com todas as informações acima, o Hisham venha só reclamar do quote do Humbertão. :D
ResponderExcluirMas o Hisham tá certo, a frase é do Orwell e não do Humbertão ;)
ResponderExcluirCara, eu acho o seguinte. A tal Lei Rouanet é válida sim, mas os critérios é que estão errados. Quem deveria ser favorecido são as pessoas que, teoricamente, necessitam desse dinheiro para realizar o seu trabalho.
Exemplos: O artista de rua que queira realizar uma exposição de seus quadros, os músicos (por profissão) que queiram realizar a gravação de um CD, e por aí vai... Ou vcs acham que o Show da FP custava barato?
Eu acho um absurdo artistas famosos e já estabelecidos utilizarem desde artifício!
E pelo que eu entendi, a tal grana q vc arrecada das empresas, no futuro acabam sendo revertidas para o Governo, só que por outros impostos (só nos DVDs e CDs:ICMS e IPI).
Mentira, a frase é do Humerto Gessinger, deixem de ser tolos elitistas com esses Orwellhas aí.
ResponderExcluir(iconoclastic mode: on)
E pelo que eu entendi, a tal grana q vc arrecada das empresas, no futuro acabam sendo revertidas para o Governo, só que por outros impostos (só nos DVDs e CDs:ICMS e IPI)
ResponderExcluirA ideia é essa, mas ocorre que boa parte dos projetos aprovados não conseguem arrecadar mais tarde aquilo que consumiram -- que é o problema crônico do cinema, por exemplo.
Na verdade, o programa serve muito mais para o fomento da cultura do que para que o governo gere receita posterior.
Sim, Jean, claro que é Orwell. Mas não poderia deixar de cutucar o Hisham... hehehehe!
ResponderExcluirPois, se o programa serve mesmo para fomento da cultura, isso realmente precisa sofrer uma investigação aprofundada. Logicamente os critérios podem ser os mais subjetivos possíveis. Mas é no mínimo questionável a importância cultural de Vanessa da Mata, Caetano Veloso e Gilberto Gil nos dias de hoje.
O vale-cultura é bonito no papel, na prática é melhor botar a grana em educação e saúde, tu vai dar vale-cultura pra uma criatura que nem sabe ler?
ResponderExcluirEsta é uma boa discussão, e o cerne da polêmica do Vale-Cultura: por que não investir diretamente na educação essa dinheirama toda? Aliás, os governantes ainda estão devendo reformas aprofundadas no sistema educacional do país.
ResponderExcluirEntretando, há um argumento comum a esta colocação: pensar que cultura é privilágio apenas de gente educada (ou "culta", uma armadilha retórica) e alfabetizada é considerar que os outros estratos culturais não têm cultura, o que pode deflagrar acusações de preconceito -- veja bem, não estou dizendo que o teu argumento seja preconceituoso propriamente, mas pode ser encarado como tal.
Meu argumento foi seco e direto, não quis ser preconceituoso mesmo, mas a educação é base de tudo. Tem que atacar o problema na raiz e não ficar colando band-aid em tudo.
ResponderExcluirConcordo contigo. Só quis mostrar o argumento dos defensores do projeto.
ResponderExcluirEu vejo a cena do cara pegando o dinheiro do vale cultura e levando a patroa para ver uma espetáculo bem popular (pensem em algum comediante cearense) e criticarem ele por estar usando o dinheiro "errado".
ResponderExcluirTalvez não fosse ver a mesma coisa (a não que ser que fosse o Chico Anysio), mas acho que as pessoas não precisam ser "fiscalizadas" (estou usando muitas aspas?) quanto ao uso do vale cultura, o que eu apostaria alguns tostões que deve acontecer.
O que tu acha que poderia acontecer, Sérgio? Uma fiscalização oficial e formal ou uma "fiscalização" da sociedade?
ResponderExcluirA fiscalização oficial (do uso devido do recurso) já vai ser uma coisa bastante difícil, mas eu me referia ao fato de que alguns "entendidos" tentem impor o tipo de cultura que as pessoas devem adquirir com o vale cultura.
ResponderExcluirSó pra botar lenha: se é "no mínimo questionável a importância cultural de Vanessa da Mata, Caetano Veloso e Gilberto Gil nos dias de hoje" então o que dizer da importância cultural do "artista de rua que queira realizar uma exposição de seus quadros"?
ResponderExcluirMesmo que o critério de aceite seja/fosse inclusivo (isto é, não interessando a relevância cultural, mas meramente provar que não é um esquema de desvio de verbas de impostos), é difícil imaginar o sistema dessa lei funcionando pra artistas não-consagrados, porque a essas as empresas não têm motivação/interesse de patrocinar.
eu me referia ao fato de que alguns "entendidos" tentem impor o tipo de cultura que as pessoas devem adquirir
ResponderExcluirSim, concordo contigo.
é difícil imaginar o sistema dessa lei funcionando pra artistas não-consagrados, porque a essas as empresas não têm motivação/interesse de patrocinar
Por isso as modificações, no link que eu coloquei. No novo formato, o governo geriria um fundo federal de investimento, a partir do dinheiro da renúncia fiscal das empresas. Claro que surge outro problema, destacado pelo próprio ministro Juca Ferreira: “Evidentemente que existe o perigo do dirigismo do Estado" -- ou seja, ao invés dos interesses das empresas, os projetos estariam atrelados (ou poderiam estar) a motivações políticas.
então o que dizer da importância cultural do "artista de rua que queira realizar uma exposição de seus quadros"?
ResponderExcluirAo menos é uma visão artística alternativa à contribuição cultural pasteurizada dos "grandes" artistas beneficiados.
é difícil imaginar o sistema dessa lei funcionando pra artistas não-consagrados, porque a essas as empresas não têm motivação/interesse de patrocinar.
Nisso eu concordo inteiramente contigo.
Poizé, por isso disse que os critérios da Lei são um pouco atravessados. A motivação de investimento deveria ser aos pequenos, e não aos grandes. Ou que se tenha critérios diferentes para cada caso.
ResponderExcluirTudo bem, dificil grandes empresas investirem no cara da rua, mas será que a pequena/micro empresa ali de São Leo que queira "entrar na dança" ia conseguir chegar no Gilberto Gil?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir(muitos erros de gramática, refiz o comentário):
ResponderExcluirChico, a moral da Lei Rouanet não é propriamente financiar "trabalhos pequenos" (no sentido do tamanho do custo), mas sim exatamente produções mais complicadas e caras. O artista de rua que quer fazer uma exposição pode tentar através de outros meios (os fundos municipais de cultura seriam para isso) -- teoricamente, claro.
O que acaba acontecendo é que o emaranhado burocrático é tal que nenhum artista de rua, ou artista "independente", vai conseguir dar conta de todas as requisições documentais que qualquer uma destas instâncias (lei de incentivo, fundo municipal) se algum produtor cultural não encampar o projeto. No fim das contas, o sistema continua sendo excludente (até porque pouquíssimos municípios têm implantados seus fundos municipais).
Além disso, há outros complicativos, no que tange à qustão de relevância de uma obra artística. Peguemos o Hisham como exemplo: ele poderia entrar com um projeto no Funproarte (o fundo municipal de cultura de Porto Alegre) para gravação de um CD com as suas composições. Tem ali um orçamento detalhado e realista, documentação correta, a prova de que ele paga IPTU em dia, etc, etc.
Mas acontece que tem um problema: as letras das músicas são em inglês. Certamente seria um projeto descartado, por uma questão puramente baseada no idioma -- notem que a qualidade musiscal não é o determinante. Se o Hisham quer se expressar em inglês porque é esta a inclinação artística dele, ele terá mesmo que abrir caminho com as próprias mãos para gravar este CD.
O Jean tem razão no que ele fala sobre as empresas pequenas, e a reformulação da Rouanet tenta abraçar isso: empresas menores que querem entrar no jogo -- que, aliás, é muito vantajoso para elas. A própria iniciativa de lançar mão de parte do dinheiro de imposto devido para um projeto cultural cria mais descontos para o IR da pessoa jurídica (o imposto pode diminuir em 25%) e ainda ganhar com o lucro do projeto (se é, claro, que ele vai dar lucro).
Felizmente no meu caso eu fui agraciado pelo Fundo Coutinho pela Cultura da Aldeia Global, que não tem esses preconceitos linguísticos!
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