Jimi Hendrix melhor guitarrista é que nem Cidadão Kane como melhor filme: todo mundo aceita, mas ninguém lembra mais porquê.Eu concordo com a observação, mas ao mesmo tempo se eu tivesse que fazer uma lista eu realmente colocaria o Hendrix em primeiro, mesmo não sendo nem de longe o meu guitarrista preferido. Motivo: os anos passam e eu não paro de me surpreender da influência que ele teve. De tempos em tempos eu me dou conta de que alguma coisa muito fundamental relativa ao mundo da guitarra se deve a ele (por exemplo: a música Sgt. Pepper's, dos Beatles).
Pra justificar o Hendrix em primeiro, é só ouvir o som da guitarra antes e depois do cara e tentar procurar alguém que promoveu tamanha mudança.
Cidadão Kane é um dos meus filmes preferidos (e preferiria revê-lo a ouvir um disco do Hendrix) e eu sei que nem de longe eu consigo dimensionar o impacto que ele teve na história do cinema, mas só pelo fato de que ele é um dos poucos filmes antigos que quando vi fiquei com a impressão "é um excelente filme" em vez de "é um excelente filme de mil-novecentos-e-guaraná-com-rolha", eu tendo a aceitar vê-lo em primeiro nas listas.
Sim, Hendrix em Kane em primeiro nas listas são dois clichês, mas os clichês não se formam do nada.
Falando em clichês, ontem o Chico me perguntou se eu tinha ouvido as músicas novas do Kiss e do Bon Jovi -- dois veteranos do rock que estão pra lançar discos novos. Não tinha escutado, mas depois parei pra ouvir.
A música nova do Kiss, Modern Day Delilah é um anacronismo intencional total: eles disseram que queriam fazer um disco que soasse como um dos seus álbuns clássicos dos anos 70. Sonoridade, letra e melodia totalmente retrôs, calcadas em cima dos clichês que o Kiss ajudou a construir. Curiosamente o bridge e o refrão (que eu achei a parte mais fraca da música) me soaram mais Kiss 80s do que Kiss 70s. Estou ouvindo agora uma segunda vez e tenho que citar o meu desgosto com o solo: o cara imita os trejeitos do Ace até no estilo da palhetada, pra fazer a música "soar Kiss". Só teve uma coisa que me deixou pensando quando ouvi a música a primeira vez ontem: tudo é clichê e genérico e não posso dizer que "gostei" da música, mas o riff é muito bom. Ouvindo agora a segunda vez, fico me perguntando se não é talvez a única coisa não-datada na música. Ele soa clichê também? Eu não sei, é uma pergunta pros amigos. Será que não soa clichê pra mim só porque eu gostei? Pra mim ele soa como se pudesse estar num disco do Led Zeppelin nos 70s, ou do Tesla nos 80s, ou do Soundgarden nos 90s, ou do Audioslave nos 00s. Por outro lado, talvez o "soar moderno" dele seja porque ele soa parecido com o tema principal de um single do Black Eyed Peas lançado no início desse ano! (Taí uma possibilidade de mashup engraçada!)
Já a música nova do Bon Jovi, We Weren't Born to Follow parece outro tipo de clichê. A música também é toda feita de elementos que a banda já explorou em anos e discos anteriores: a paradinha antes do refrão, a letra esperançosa, a dinâmica, o "jingle-jangle" do andamento mid-tempo... Por um lado ela me soa um pouco mais original que a do Kiss, porque os elementos são característicos da fase recente da banda e não um movimento retrô explícito -- ela é projetada pra tocar na rádio atual junto outras músicas e não soar "velha", enquanto a do Kiss é projetada pra tocar no shuffle dos fãs de Kiss junto com os outros clássicos. Mas não tem nada na música do Bon Jovi que me impressione; me soou como uma música "média" em todos os aspectos, e isso talvez seja pior do que soar datado.
E aí? O artista está na prerrogativa de viver à base dos clichês que ele mesmo criou? A tarefa de quem trabalha com processos criativos não seria, bem, continuar criando? Por outro lado, o clichê perde a validade com o passar do tempo? Aliás, ele não se constitui justamente com o passar do tempo? Ou é esse o tempo de vida de uma ideia, que nasce genial, vira clichê e, como disse o Kundera, depois vira kitsch e finalmente é esquecida?
Eu tenho uma lista de melhores guitarristas de todos os tempos mas no estilo característico de cada um tipo, Brian Setzer no rockabilly, Eddie no "rock de arena", Richie Blackmore no hard-rock, etc. Acho babaquice afirmar que Stevie Vai é melhor que Satriani.
ResponderExcluirTenho que escutar os sons pra dizer o que acho mas julgando pelos últimos 3 discos do Bon Jovi já sei sobre o que se trata.
Isso é engraçado. Eu estava essa semana falando com um cara sobre o Iron. Ele me disse qeu o Iron só presta do X Factor para trás. Eu acho esse disco bom, acho que justamente pq é um pouco diferente do resto.
ResponderExcluirParei para ouvir coisas mais novas tipo o Brave New World e o Dance of the Death. Ali me parece que eles usam os mesmos elementos do passado, com poucas variações. Gostei.
Esse mesmo cara renega esses discos novos dizendo que não e Iron. Perguntei para ele, pq tu acha eles ruins? Ele não respondeu, apenas disse que isso não é Iron.
O que eu acho as vezes é que a questão nostálgica pesa muito mais do que a simples avaliação da música. Ultimamente to tentando fugir disso.
O meu critério hoje é: "Eu gosto ou não gosto", não entro muito no pq da história toda para tentar avaliar se as coisas que eu gosto ou não cabem em um saco.
Escrevi o texto na correria, mas acho q deu para entender ;)
ResponderExcluirQue bom que o Hisham transformou a discussão por e-mail em post, mereceia mesmo
ResponderExcluirPior que eu gostei das duas músicas... Não achei nada genial em nenhuma das duas, mas curti (e hoje estava cantarolando "la-la-lá, modern day, Delilah").
Como eu falei nos e-mails sobre o Cidadão Kane, de uns tempos para cá O Poderoso Chefão começa a ser uma "ameaça" ao filme de Orson Welles. Num estudo comparativo, a obra de Francis Ford Coppola ganha em emoção (tem mais suspense, drama e impacto - inclusive por conta da violência) do que Kane. É mais envolvente aos olhos do espectador.
Além disso, Chefão fez pelo cinema norte-americano e mundial dos anos 1970 o que Kane tentou mas não conseguiu fazer na década de 40: uma revolução no formato e no conteúdo das obras cinematográficas. A influência do filme de Welles só foi sentida mais de uma década após seu lançamento, nos cinemas novos europeus -- que, aliás, influenciaram tremendamente os cineastas estadunidenses da "geração autoral" de 1970.
Entretanto, ainda não se produziu um filme tão repleto de genialidade e novidade em todos os seus âmbitos (cenografia, fotografia, música, roteiro, atuação, edição de som, tudo não só é brilhante como é inovador) quanto Cidadão Kane. Será interessante ver por quanto tempo ele carregará o título.
Quanto ao caso do Iron, Jean, eu (como muito fã de Iron que eu sou) tenho isso há tempos pensando para virar um texto.
ResponderExcluirBah, belíssimo texto que saiu essa semana, apropriadíssimo pro tema desse post:
ResponderExcluirVida de clichê - Eliane Brum
Leiam. Leiam todo.
Jean, eu tô há 2 meses escrevendo um post sobre isso que tu falou, e não consigo terminar. Sobre o peso da questão nostálgica. Uma hora eu consigo converter em palavras o que tem na minha cabeça.
ResponderExcluirMuito legal Hisham! Vou repassar a um monte de gente.
ResponderExcluirEu tenho o livro "Por quê as pessoas de negócio falam como idiotas", e identifico muito isso que a Eliane escreveu no local onde trabalho: pessoas que falam bonito, em quantidade, e confundem. A função disso: garantir a própria imagem e emprego, trabalhando menos.
Gustavo, tu tá escrevendo sobre questão nostálgica no geral ou sobre os fãs chatos do Iron (que é o que eu gostaria de escrever)? :D
ResponderExcluirSobre fãs chatos em geral. Ex: "Ah, eu gosto da banda X, mas só das antigas..."
ResponderExcluirSe tu quiser, para a gente não repetir assuntos, poderíamos fazer a quatro mãos, o que tu acha?
ResponderExcluirPode ser, vou dar uma avançada no meu rascunho e te envio!
ResponderExcluirEu ia sugerir o inverso: eu te mando uns dois ou três parágrafos e tu vê se encaixa no geral do teu texto. :)
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