Metalinguagem é a linguagem que fala da própria liguagem (os das Exatas podem dar um conceito mais amplo, já que vem a fazer parte também do jargão da Informática). Uma derivação da metalinguagem nas artes é o metafilme, ou metacinema. Em suma, é o filme que fala do próprio filme, o cinema que trata de si próprio. São filmes que versam sobre o próprio fazer do cinema, e que costumam ser fascinantes e maravilhosos, especialmente aos olhos dos cinéfilos. Podem ser tanto biografias de grandes cineastas (O Aviador) ou de artistas medíocres (Ed Wood), podem ser o melhor do entretenimento (Cantando na Chuva) ou dramas poderosos (Crepúsculo dos Deuses). Podem ainda usar a metalinguagem com leveza e humor (Saneamento Básico) ou aprofundar-se em experimentos narrativos desconcertantes (Adaptação).
O que é raro no metacinema é um artista se auto-imaginar num processo metalinguístico e conseguir, ainda em vida, ter a possibilidade de fazer uma auto-análise de sua própria obra e persona cinematográficas -- e se eu fosse um filósofo como o Hisham, completaria dizendo que é raro o artista conseguir olhar para o próprio devir e, neste processo, despir-se de sua magnitude atribuída por mídia, fãs e o caralho-a-quatro (ok, o Hisham não finalizaria a frase com esta expressão) e ver-se criticamente. O meu ídolo nacional, José Mojica Marins, tentou isso num filme impressionante, Delírios de um Anormal (1978 -- atenção para 6min20seg), em que ele estudava a força da sua criatura, Zé do Caixão, no imaginário cultural tupiniquim durante os Anos de Chumbo. Para tanto, usou trechos de filmes anteriores (incluindo aqueles proibidos pela Censura) e colocou a si próprio, José Mojica, como personagem.
Se o véio Mojicão inclinou-se sobre seu personagem, nosso conhecido "rei das locadoras" de 15 anos atrás, Jean-Claude Van Damme, foi além: num filme lançado diretamente em DVD este mês no Brasil, o astro das artes marciais e presença em alguns dos "melhores piores" filmes de ação de fim dos Oitenta e início dos Noventa, resolveu olhar direto para si mesmo. JCVD é o título desta produção belga (sim, ele voltou ao país natal para fazer este filme), onde Van Damme interpreta Van Damme num pesado processo de autocrítica. E ele não deixa pedra sobre pedra sobre si mesmo: ele se vê como um astro decadente, que participa de piores filmes a cada ano, afundado no vício das drogas e álcool, um mau pai e um homem que não sabe viver com a sua popularidade. Qual a grande contribuição do carateca belga para a Sétima das Artes, na sua própria visão? Ter levado John Woo para Hollywood.
Talvez o lance mais inteligente do filme foi colocar o ator numa situação de tensão (um assalto a uma agência de correio), onde ele tenta desesperadamente ser o mesmo heroi que nos acostumamos a ver nos filmes. Jean-Claude não sabe se vive uma fantasia ou se se rende frente ao mundo real (o que me faz lembrar do último Rocky: "Nada bate mais forte que a vida"). Ainda assim, a fita é toda feita em tom de farsa: os vilões são improváveis e os coadjuvantes meio bizarros parecem ter saído de um filme barato dos irmãos Coen. A própria cena de abertura (um plano-sequência de um filme de ação ao mesmo tempo complicado tecnicamente e propositadamente ruim) é descabida. De verdade, real mesmo, só Van Damme -- que improvisou, na liberdade de sua língua pátria, quase todos seus diálogos (incluindo um tocante monólogo, onde fantasia e realidade não têm fronteiras).
O filme é uma pequena pérola, que acaba dizendo mais do que talvez quisesse num primeiro momento. Sim, é o melhor filme de Van Damme e sua existência meio que justifica todas aquelas deliciosas bobagens, aulas de como não se fazer filmes, como O Grande Dragão Branco e Soldado Universal, que eu costumei devorar no bom e velho VHS.
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
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Pode ser que seja mais um filme do Van Damme mas fiquei com vontade de assistir!
ResponderExcluirAliás, todos os filmes que eu listei no primeiro parágrafo são excelentes e relativamente fáceis de encontrar. Valem a pena serem vistos (Crepúsculo dos Deuses é um do meus filmes favoritos).
ResponderExcluir(nota mental: pegar toda a filmografia de Van Damme em DVD para assistir de novo)
ResponderExcluirUma coisa que poderíamos fazer era uma maratona de vídeo "Sol Desafinado e Van Damme, uma seleção de clássicos".
ResponderExcluirPor sinal, Chico, tu viu o vídeo do Mojicão? :D
ResponderExcluirMas é clarommmmmmm! Eu já conhecia!
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